Atualize o seu vade mecum: a Lei nº 12.654/12 autorizou a identificação criminal mediante coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.
O diploma legislativo mencionado, que só entrará em vigor em 25/11/12 , alterou a Lei nº 12.037/09 – que dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal – e a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84).
Segundo os novos dispositivos, a identificação criminal com coleta de material biológico é facultativa quando for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, e obrigatória, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor, para os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por crime hediondo.
Veja o texto da lei:Art. 1º O art. 5º da Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:“Art. 5º .......................................................................Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3º, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.”
[...]
Art. 3º A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9º-A:“Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
A identificação do criminoso será armazenada em banco de dados sigiloso. A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.
A lei ainda prevê que a exclusão dos perfis genéticos ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.
O perfil genético
Trata de projeto de lei que, originariamente, visava estabelecer a identificação genética apenas para os condenados por crime praticado com violência contra pessoa ou considerado hediondo. Como justificativa do projeto, consta que este viria
“para reforçar um processo já em andamento no Brasil. Nosso País deverá contar, em breve, e já tardiamente, com um banco de perfis de DNA nacional para auxiliar nas investigações de crimes praticados com violência. O sistema, denominado CODIS (Combined DNA Index System) é o mesmo usado pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, e por mais 30 países. O processo para a implantação do CODIS começou em 2004. O banco de evidências será abastecido pelas perícias oficiais dos Estados com dados retirados de vestígios genéticos deixados em situação de crime, como sangue, sêmen, unhas, fios de cabelo ou pele.
O CODIS prevê ainda um banco de identificação genética de criminosos, que conteria o material de condenados. Todavia, a sua implantação depende de lei. É do que trata o presente projeto. De fato, uma coisa é o banco de dados operar apenas com vestígios; outra é poder contar também com o material genético de condenados, o que otimizaria em grande escala o trabalho investigativo.
A determinação de identidade genética pelo DNA constitui um dos produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana. Ela é hoje uma ferramenta indispensável para a investigação criminal.
Evidências biológicas (manchas de sangue, sêmen, cabelos etc.) são frequentemente encontradas em cenas de crimes, principalmente aqueles cometidos com violência. O DNA pode ser extraído dessas evidências e estudado por técnicas moleculares no laboratório, permitindo a identificação do indivíduo de quem tais evidências se originaram. Obviamente que o DNA não pode por si só provar a culpabilidade criminal de uma pessoa ou inocentála, mas pode estabelecer uma conexão irrefutável entre a pessoa e a cena do crime. Atualmente os resultados da determinação de identificação genética
pelo DNA já são rotineiramente aceitos em processos judiciais em todo o mundo.
O DNA pode ser encontrado em todos os fluidos e tecidos biológicos humanos e permite construir um perfil genético individual. Além disso, características moldadas ao longo da história evolutiva dos seres vivos adaptaram o DNA para ser uma molécula informacional com baixíssima reatividade química e grande resistência à degradação. Essa robustez da molécula faz com que o DNA seja ideal como fonte de identificação resistente à passagem do tempo e às agressões ambientais frequentemente encontradas em cenas de crimes.
A determinação de identidade genética pelo DNA pode ser usada para muitos fins hoje em dia: demonstrar a culpabilidade dos criminosos, exonerar os inocentes, identificar corpos e restos humanos em desastres aéreos e campos de batalha, determinar paternidade, elucidar trocas de bebês em berçários e detectar substituições e erros de rotulação em laboratórios de patologia clínica.”
O projeto sofreu alterações durante a tramitação no Senado, sendo inserida a previsão da identificação criminal por coleta de material biológico nas hipóteses do inciso IV do art. 3º da Lei nº 12.037/09 (Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando […] IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa).
“estudos recentes apontam o Brasil como o sexto País do mundo em taxa de homicídios (26,4 homicídios em 100.000 habitantes/ano) e destacam uma situação igualmente grave em relação aos crimes sexuais. As taxas de elucidação desses delitos são baixas, com menos de 10% dos homicidas apropriadamente identificados e condenados, devido à ausência de prova material; tal fato tem causado comumente o arquivamento de vários inquéritos e denúncias.
A efetiva atuação da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos certamente diminuirá esses índices alarmantes de violência. Todavia, a legislação em vigor não obriga os condenados por crimes graves a fornecer amostras biológicas de referência.
Entendo, portanto, que a presente proposição ofertará mais eficiência ao banco de dados de identificação de perfil genético, ao permitir a colheita de DNA por procedimento não invasivo, não ofendendo, por conseguinte, os princípios de respeito à integridade física e à dignidade humana.”
Na análise da proposição na Câmara dos Deputados, destacou-se um estudo realizado pelo Juiz Federal Carlos Henrique Borlido Haddad, mestre e doutor em ciência penal, no qual este conclui que
“A admissão do exame de DNA compulsório no processo penal brasileiro, posto que seja uma novidade em relação ao tipo de prova que disponibilizará, não representará nenhuma inovação acerca das restrições e bens jurídicos que já suporta o acusado. A pena privativa de liberdade, a prisão provisória de finalidade instrutória indireta, o monitoramento ininterrupto de diálogos, a sanção capital e a medida de segurança de caráter indeterminado são superlativamente mais lesivos do que a colheita do material orgânico, mormente em relação àquela que não possui o caráter de invasividade. É preciso apenas voltar os olhos para as provas e sanções atualmente existentes no processo penal e lembrar-se da existência de medidas de caráter restritivo para superar a cultura de intangibilidade absoluta do acusado.
O exame de DNA compulsório é adotado em Estados do civil e do common law, e tem-se mostrado como importante instrumento para a melhor elucidação dos fatos no processo penal. Conquanto limite e restrinja alguns bens jurídicos dignos de tutela, não suprime ou ofende os direitos do acusado no processo.
A incorporação do exame de DNA obrigatório no processo penal brasileiro ainda não se verificou, porque depende de lei específica que preveja as hipóteses em que pode ser compulsoriamente executado, em que condições será realizado, bem como de quais direitos e prerrogativas dispõe o réu e quais medidas de proteção da informação deverão ser adotadas. Atualmente, em face da lacuna legislativa, é indispensável o consentimento do réu para a realização do exame sobre o material orgânico dele originado. A regulamentação das intervenções corporais deve ter por norte o cânone de proporcionalidade e prever a submissão obrigatória quando nenhum meio menos gravoso para o acusado revele-se eficaz no esclarecimento dos fatos. A consecução coercitiva da extração de amostras de material orgânico, ao mesmo tempo em que obsta que sejam adotadas as temerárias presunções de culpabilidade, não acrescenta nova acusação ou punição pela recusa injustificada do acusado. Ademais, o recurso às intervenções corporais compulsórias propicia maior segurança no julgamento através da apresentação de prova embasada em preceitos científicos irrefutáveis”.
Em outro texto, o diretor da Diretoria Técnico-Científica da Polícia Federal, Paulo Roberto Fagundes, consolida a discussão sobre banco de dados de perfil genético de forma objetiva:
“A utilização do DNA como instrumento de investigação e prova é uma realidade nos laboratórios oficiais do Brasil. Contudo, os exames são realizados apenas quando se têm amostras suspeitas e amostras referências para comparação - os chamados casos fechados. A eficácia na utilização do DNA na investigação criminal pede a implantação de um Banco de Dados de DNA Criminal no país, no qual serão armazenados perfis de DNA coletados em cenas de crimes para as mais diversas comparações possíveis no intuito de esclarecimento de autoria de tais crimes. Para a implantação de um sistema desse tipo existem algumas condições a serem cumpridas (...), do ponto de vista estratégico, a aprovação de um projeto de lei que estabeleça condições de armazenagem de perfis de DNA é o primeiro passo para a implantação gradual do banco de dados. (...) As demais condicionantes serão paulatinamente ajustadas desde que essas condições essenciais sejam garantidas.”
Contraponto
O Dr. Eugênio Pacelli de Oliveira teceu algumas considerações sobre esta lei, as quais cabe transcrever na íntegra:
“Quartas com Lei e com Direito – 06.06.2012 – A identificação criminal/ Lei 12.654/12
Em cena agora a Lei 12.654/2012, que introduz novas modalidades de identificação criminal, primeiro para fins de investigação (probatórias), alterando, no ponto a Lei 12.037/09, e, também, para fins de manutenção de dados genéticos de condenados por crimes praticados com grave violência à pessoa, além daqueles mencionados na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90). Com e para isso, alterou-se, mediante inclusão do art. 9º-A, a Lei de Execuções Penais.
A identificação associada à indispensabilidade da descoberta da autoria e submetida ao controle judicial, quanto à necessidade e quanto à pertinência - a ser feito por decisão motivada, como ocorre em qualquer tangenciamento das inviolabilidades constitucionais (comunicações telefônicas, domicílio etc.) - nada tem de inconstitucional. Tema que já esgotamos em nosso “Processo e Hermenêutica na tutela dos direitos fundamentais”, cuja síntese pode ser também encontrada no artigo “Breves notas sobre a autoincriminação”, disponível em nosso site. Basta que os meios de coleta respeitem a regra de proibição de ingerências abusivas e desnecessárias, conforme estipulado em Tratados Internacionais sobre a matéria. Inconstitucionalidade alguma, portanto. Nem aqui e nem no resto do mundo ocidental.
Já em relação à outra (Cadastro genético de condenados), ainda estamos em dúvida quanto à respectiva constitucionalidade. Deixo os amigos com pequeno recorte de texto atualizado da 3ª. edição do citado “Processo e Hermenêutica”, a ser lançado em agosto desse ano pela Editora Atlas.
“A medida, para além de seu caráter estigmatizante, viola o verdadeiro direito daquele que, após o cumprimento de sua pena, deve retornar ao estado pleno de cidadania e de inocência, em relação a fatos futuros - ressalvada apenas a possibilidade de valoração da condenação para fins de nova imposição penal (reincidência). Não se justifica a manutenção indefinida de seu registro genético, afastada de finalidades probatórias, isto é, ligadas à efetividade do processo penal. Nesse passo, bastaria aos interesses do Estado a manutenção sigilosa dos registros sobre o processo e sobre a condenação, conforme o disposto no art. 95, Código Penal, a cuidar da reabilitação.
O tema da identificação criminal se encontra na Constituição da República, mais precisamente em seu art. 5º, LVIII, como garantia individual. Ou seja, sua interpretação vem orientada pela proibição do excesso, somente admitindo-se a medida quando absolutamente necessária.
Uma coisa é permitir a identificação genética para finalidades probatórias; outra, muito diferente, é referendar um cadastro genético nacional de condenados em crimes graves. Aí, parece-nos, haveria transcendência exponencial da Segurança Pública, incompatível com o Estado de Direito e as liberdades públicas. A pessoa, em semelhante cenário, passaria do estado (situação) de inocência para o estado de suspeição, ainda que se reconheça – e o fazemos expressamente!– o proveito na apuração de futuros delitos (casos de reiteração, evidentemente). A radicalização no tratamento do egresso do sistema carcerário atingiria níveis incompatíveis com as funções declaradas da pena pública.
De resto, a elevação prévia do processo de estigmatização do culpado poderia concretizar o alarme a que se referia Rui Barbosa em seus famosos Discursos: ‘prendam os suspeitos de sempre’. Que não se pense que desconhecemos a gravidade dos crimes que se repetem tragicamente no país. Ou que ignoramos a necessidade de um combate mais eficaz contra tais ações. E, menos ainda, que não nos alinhamos a todos aqueles que se indignam contra agressões abjetas e incontroláveis por parte das pessoas referidas na citada lei. Nada disso.
A questão é: não haverá limites para essa nobilíssima batalha?”
Lei nº 12.654/12
Conheça o texto da Lei nº 12.654/12:
"A PRESIDENTA DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei:
Art. 1o O art. 5o da Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
“Art. 5o .......................................................................Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.” (NR)
“Art. 5o-A. Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal.§ 1o As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos.§ 2o Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial.§ 3o As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.”“Art. 7o-A. A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.”“Art. 7o-B. A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.”
Art. 3o A Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9o-A:
“Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.§ 1o A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.§ 2o A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.”
Art. 4o Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da data de sua publicação.
Brasília, 28 de maio de 2012; 191o da Independência e 124o da República.
DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Luiz Inácio Lucena Adams
ATUALIZAÇÃO: Decreto nº 7.950/13, publicado no DOU de 13.3.2013 -
Fontes: sites da Presidência da República, do Senado Federal, da Câmara dos Deputados e do Dr. Eugênio Pacelli de Oliveira.
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