quarta-feira, 7 de novembro de 2012

Incidente de Deslocamento de Competência

O incidente de deslocamento de competência foi inserido na Constituição pela Emenda Constitucional nº 45/04, que incluiu o art. 5º no art. 109 (que trata da competência da Justiça Federal), com a seguinte redação:
Nas hipóteses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte, poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal.
Conforme dispõe o parágrafo, o Procurador-Geral da República poderá solicitar ao Superior Tribunal de Justiça o envio para a Justiça Federal de um inquérito ou processo que tramite na Justiça Estadual quando vislumbrar grave violação de direitos humanos.
Incidente de deslocamento de competência
Diante da ausência de regramento específico disciplinando o processamento do Incidente de Deslocamento de Competência, o Superior Tribunal de Justiça vem delineando-o através dos julgados. Definiu-se que para que o pedido possa ser deferido devem estar presentes 3 pressupostos:
  • a existência de grave violação a direitos humanos;
  • o risco de responsabilização internacional decorrente do descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; e
  • a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas.
Aquele tribunal também decidiu que não caberia pedido de assistência - os processos examinados tem natureza penal e Código de Processo Penal atribui caráter restritivo a esse tipo de legitimado na persecução criminal.
Por outro lado, foi aceita a admissão das organizações da sociedade civil na condição de amicus curiae, por sua atuação nos casos que envolvem direitos humanos, inclusive como agentes provocadores dos organismos responsáveis por garantí-los.
O STJ também se adiantou e afirmou que, em caso de eventual envolvimento de membro do Ministério Público ou do Poder Judiciário, isso não impedirá o deslocamento de competência e implicará em hipótese de aplicação concertada do §5º do artigo 109 da Constituição Federal e do artigo 96, III, do texto constitucional – seria assegurando aos eventuais acusados o julgamento em órgão colegiado (Tribunal Regional Federal).
Por fim, quando do deslocamento, a jurisdição será a do juiz federal que tiver a competência para o lugar onde houve o fato.
Desde sua criação, em apenas duas ocasiões foi requerido o deslocamento da competência: nos casos “Dorothy Stang” e “Manoel de Mattos”.

Caso “Dorothy Stang”

Na primeira vez - caso “Dorothy Stang” -, o STJ indeferiu o pedido porque as autoridades estaduais demonstraram estar empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal.
Conheça a ementa do acórdão do processo:
CONSTITUCIONAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. HOMICÍDIO DOLOSO QUALIFICADO. (VÍTIMA IRMÃ DOROTHY STANG). CRIME PRATICADO COM GRAVE VIOLAÇÃO AOS DIREITOS HUMANOS. INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA – IDC. INÉPCIA DA PEÇA INAUGURAL. NORMA CONSTITUCIONAL DE EFICÁCIA CONTIDA. PRELIMINARES REJEITADAS. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DO JUIZ NATURAL E À AUTONOMIA DA UNIDADE DA FEDERAÇÃO. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. RISCO DE DESCUMPRIMENTO DE TRATADO INTERNACIONAL FIRMADO PELO BRASIL SOBRE A MATÉRIA NÃO CONFIGURADO NA HIPÓTESE. INDEFERIMENTO DO PEDIDO.

Detalhe da foto da Agência Brasil 

1. Todo homicídio doloso, independentemente da condição pessoal da vítima e/ou da repercussão do fato no cenário nacional ou internacional, representa grave violação ao maior e mais importante de todos os direitos do ser humano, que é o direito à vida, previsto no art. 4º, nº 1, da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o Brasil é signatário por força do Decreto nº 678, de 6/11/1992, razão por que não há falar em inépcia da peça inaugural.
2. Dada a amplitude e a magnitude da expressão “direitos humanos”, é verossímil que o constituinte derivado tenha optado por não definir o rol dos crimes que passariam para a competência da Justiça Federal, sob pena de restringir os casos de incidência do dispositivo (CF, art. 109, § 5º), afastando-o de sua finalidade precípua, que é assegurar o cumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil sobre a matéria, examinando-se cada situação de fato, suas circunstâncias e peculiaridades detidamente, motivo pelo qual não há falar em norma de eficácia limitada. Ademais, não é próprio de texto constitucional tais definições.
3. Aparente incompatibilidade do IDC, criado pela Emenda Constitucional nº 45/2004, com qualquer outro princípio constitucional ou com a sistemática processual em vigor deve ser resolvida aplicando-se os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade.
4. Na espécie, as autoridades estaduais encontram-se empenhadas na apuração dos fatos que resultaram na morte da missionária norte-americana Dorothy Stang, com o objetivo de punir os responsáveis, refletindo a intenção de o Estado do Pará dar resposta eficiente à violação do maior e mais importante dos direitos humanos, o que afasta a necessidade de deslocamento da competência originária para a Justiça Federal, de forma subsidiária, sob pena, inclusive, de dificultar o andamento do processo criminal e atrasar o seu desfecho, utilizando-se o instrumento criado pela aludida norma em desfavor de seu fim, que é combater a impunidade dos crimes praticados com grave violação de direitos humanos.
5. O deslocamento de competência – em que a existência de crime praticado com grave violação aos direitos humanos é pressuposto de admissibilidade do pedido – deve atender ao princípio da proporcionalidade (adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito), compreendido na demonstração concreta de risco de descumprimento de obrigações decorrentes de tratados internacionais firmados pelo Brasil, resultante da inércia, negligência, falta de vontade política ou de condições reais do Estado-membro, por suas instituições, em proceder à devida persecução penal. No caso, não há a cumulatividade de tais requisitos, a justificar que se acolha o incidente.
6. Pedido indeferido, sem prejuízo do disposto no art. 1º, inc. III, da Lei nº 10.446, de 8/5/2002.
(IDC . 1/PA, Rel. Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 08/06/2005, DJ 10/10/2005, p. 217)

Caso “Manoel de Mattos”

O segundo caso, no qual o pedido de deslocamento foi deferido, envolvia o assassinato do advogado e vereador pernambucano MANOEL BEZERRA DE MATTOS NETO, ocorrido em 24/01/2009, no Município de Pitimbu/PB. Antes do crime, a vítima vinha sofrendo diversas ameaças e vários atentados, em decorrência provável de sua persistente e conhecida atuação contra grupos de extermínio que agiriam impunes há mais de uma década na divisa dos Estados da Paraíba e de Pernambuco, entre os Municípios de Pedras de Fogo e Itambé, com suposta participação de particulares e autoridades estaduais.
Na apuração, noticiou-se a existência de cerca de duzentos homicídios, com características de execução sumária por ação desses grupos, ocorridos ao longo dos últimos dez anos.
Conheça o acórdão:
INCIDENTE DE DESLOCAMENTO DE COMPETÊNCIA. JUSTIÇAS ESTADUAIS DOS ESTADOS DA PARAÍBA E DE PERNAMBUCO. HOMICÍDIO DE VEREADOR, NOTÓRIO DEFENSOR DOS DIREITOS HUMANOS, AUTOR DE DIVERSAS DENÚNCIAS CONTRA A ATUAÇÃO DE GRUPOS DE EXTERMÍNIO NA FRONTEIRA DOS DOIS ESTADOS. AMEAÇAS, ATENTADOS E ASSASSINATOS CONTRA TESTEMUNHAS E DENUNCIANTES. ATENDIDOS OS PRESSUPOSTOS CONSTITUCIONAIS PARA A EXCEPCIONAL MEDIDA.

Detalhe da foto da Agência Brasil

1. A teor do § 5.º do art. 109 da Constituição Federal, introduzido pela Emenda Constitucional n.º 45/2004, o incidente de deslocamento de competência para a Justiça Federal fundamenta-se, essencialmente, em três pressupostos: a existência de grave violação a direitos humanos; o risco de responsabilização internacional decorrente do descumprimento de obrigações jurídicas assumidas em tratados internacionais; e a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas.
2. Fatos que motivaram o pedido de deslocamento deduzido pelo Procurador-Geral da República: o advogado e vereador pernambucano MANOEL BEZERRA DE MATTOS NETO foi assassinado em 24/01/2009, no Município de Pitimbu/PB, depois de sofrer diversas ameaças e vários atentados, em decorrência, ao que tudo leva a crer, de sua persistente e conhecida atuação contra grupos de extermínio que agem impunes há mais de uma década na divisa dos Estados da Paraíba e de Pernambuco, entre os Municípios de Pedras de Fogo e Itambé.
3. A existência de grave violação a direitos humanos, primeiro pressuposto, está sobejamente demonstrado: esse tipo de assassinato, pelas circunstâncias e motivação até aqui reveladas, sem dúvida, expõe uma lesão que extrapola os limites de um crime de homicídio ordinário, na medida em que fere, além do precioso bem da vida, a própria base do Estado, que é desafiado por grupos de criminosos que chamam para si as prerrogativas exclusivas dos órgãos e entes públicos, abalando sobremaneira a ordem social.
4. O risco de responsabilização internacional pelo descumprimento de obrigações derivadas de tratados internacionais aos quais o Brasil anuiu (dentre eles, vale destacar, a Convenção Americana de Direitos Humanos, mais conhecido como "Pacto de San Jose da Costa Rica") é bastante considerável, mormente pelo fato de já ter havido pronunciamentos da Comissão Interamericana de Direitos Humanos, com expressa recomendação ao Brasil para adoção de medidas cautelares de proteção a pessoas ameaçadas pelo tão propalado grupo de extermínio atuante na divisa dos Estados da Paraíba e Pernambuco, as quais, no entanto, ou deixaram de ser cumpridas ou não foram efetivas. Além do homicídio de MANOEL MATTOS, outras três testemunhas da CPI da Câmara dos Deputados foram mortos, dentre eles LUIZ TOMÉ DA SILVA FILHO, ex-pistoleiro, que decidiu denunciar e testemunhar contra os outros delinquentes. Também FLÁVIO MANOEL DA SILVA, testemunha da CPI da Pistolagem e do Narcotráfico da Assembleia Legislativa do Estado da Paraíba, foi assassinado a tiros em Pedra de Fogo, Paraíba, quatro dias após ter prestado depoimento à Relatora Especial da ONU sobre Execuções Sumárias, Arbitrárias ou Extrajudiciais. E, mais recentemente, uma das testemunhas do caso Manoel Mattos, o Maximiano Rodrigues Alves, sofreu um atentado a bala no município de Itambé, Pernambuco, e escapou por pouco. Há conhecidas ameaças de morte contra Promotores e Juízes do Estado da Paraíba, que exercem suas funções no local do crime, bem assim contra a família da vítima Manoel Mattos e contra dois Deputados Federais.
5. É notória a incapacidade das instâncias e autoridades locais em oferecer respostas efetivas, reconhecida a limitação e precariedade dos meios por elas próprias. Há quase um pronunciamento uníssono em favor do deslocamento da competência para a Justiça Federal, dentre eles, com especial relevo: o Ministro da Justiça; o Governador do Estado da Paraíba; o Governador de Pernambuco; a Secretaria Executiva de Justiça de Direitos Humanos; a Ordem dos Advogados do Brasil; a Procuradoria-Geral de Justiça do Ministério Público do Estado da Paraíba.
6. As circunstâncias apontam para a necessidade de ações estatais firmes e eficientes, as quais, por muito tempo, as autoridades locais não foram capazes de adotar, até porque a zona limítrofe potencializa as dificuldades de coordenação entre os órgãos dos dois Estados. Mostra-se, portanto, oportuno e conveniente a imediata entrega das investigações e do processamento da ação penal em tela aos órgãos federais.
7. Pedido ministerial parcialmente acolhido para deferir o deslocamento de competência para a Justiça Federal no Estado da Paraíba da ação penal n.º 022.2009.000.127-8, a ser distribuída para o Juízo Federal Criminal com jurisdição no local do fato principal; bem como da investigação de fatos diretamente relacionados ao crime em tela. Outras medidas determinadas, nos termos do voto da Relatora.
(IDC . 2/DF, Rel. Ministra LAURITA VAZ, TERCEIRA SEÇÃO, julgado em 27/10/2010, DJe 22/11/2010)
Íntegra do voto


Responsabilidade por violação de direitos humanos: Brasil firma acordo na CIDH – Caso Lapoente

O Brasil firmou Acordo de Solução Amistosa para o encerramento do Caso nº 12.674, em tramitação perante a Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (CIDH/OEA), em dezembro de 2011/janeiro de 2012.
Esse caso envolve a morte de Márcio Lapoente da Silveira, cadete da Acadenia Militar das Agulhas Negras (Exército Brasileiro), durante curso de formação de oficiais.
Em 9/10/1990, Lapoente faleceu depois de passar mal durante uma corrida no curso. Num primeiro atendimento, no Hospital Escolar da Aman, ainda em vida, ele foi diagnosticado com meningite. Depois foi removido para hospital, onde deu entrada morto. A autópsia revelou que a causa do óbito foi choque térmico seguido de infarto agudo do miocárdio durante a realização do exercício.
Em 2008, a CIDH acatou petição dos pais de Lapoente pedindo providências, pois estes avaliam que o filho morreu devido a tortura.
Foi reconhecida a responsabilidade pela violação dos direitos à vida e à segurança da Pessoa e à proteção e garatias juridiciais em relação à demora excessiva na tramitação de ação judicial.
O Brasil se comprometeu a realizar estudos para aprimorar as Justiças Militar e Comum, a ampliar o ensino de direitos humanos no currículo de formação militar, e a enviar relatórios semestrais à CIDH sobre o cumprimento do acordo.
Esse acordo foi questionado no Supremo Tribunal Federal, que arquivou o mandado de segurança manejado


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quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Enunciados da 1ª Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal

Foram divulgados os 57 enunciados aprovados na 1ª Jornada de Direito Comercial do Conselho da Justiça Federal (CJF). A jornada reuniu especialistas em direito empresarial para discussão e aprovação de enunciados relativos a aspectos polêmicos da área, divididos em grupos temáticos, sob a coordenação-geral do Ministro Ruy Rosado. 
Os enunciados são sínteses de debates entre os especialistas.


Enunciados aprovados 

Empresa e Estabelecimento (Enunciados 1 a 8)Coordenação Científica: Professor Alfredo de Assis Gonçalves Neto 

1. Decisão judicial que considera ser o nome empresarial violador do direito de marca não implica a anulação do respectivo registro no órgão próprio nem lhe retira os efeitos, preservado o direito de o empresário alterá-lo. 
2.  A vedação de registro de marca que reproduza ou imite elemento característico ou diferenciador de nome empresarial de terceiros, suscetível de causar confusão ou associação (art. 124, V, da Lei n. 9.279/1996), deve ser interpretada restritivamente e em consonância com o art. 1.166 do Código Civil.  
3. A Empresa Individual de Responsabilidade Limitada – EIRELI não é sociedade unipessoal, mas um novo ente, distinto da pessoa do empresário e da sociedade empresária. 
4. Uma vez subscrito e efetivamente integralizado, o capital da empresa individual de responsabilidade limitada não sofrerá nenhuma influência decorrente de ulteriores alterações no salário mínimo. 
5. Quanto às obrigações decorrentes de  sua atividade, o empresário individual tipificado no art. 966 do Código Civil  responderá primeiramente com os bens vinculados à exploração de sua atividade econômica, nos termos do art. 1.024 do Código Civil. 
6. O empresário individual regularmente inscrito é o destinatário da norma do art. 978 do Código Civil, que permite alienar ou gravar de ônus real o imóvel incorporado à empresa, desde que exista, se for o caso, prévio registro de autorização conjugal no Cartório de Imóveis, devendo tais requisitos constar do instrumento de alienação ou de instituição do ônus real, com a consequente averbação do ato à margem de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis.  
7. O nome de domínio integra o estabelecimento empresarial como bem incorpóreo para todos os fins de direito. 
8. A sub-rogação do adquirente nos contratos de exploração atinentes ao estabelecimento adquirido, desde que não possuam caráter pessoal, é a regra geral, incluindo o contrato de locação. 
  

Direito Societário (Enunciados 9 a 19) - Coordenação Científica: Professora Ana Frazão 

9. Quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado analogamente ao art. 28, § 5º, do CDC ou ao art. 2º, § 2º, da CLT.   

10. Nas sociedades simples, os sócios podem limitar suas responsabilidades entre si, à proporção da participação no capital social, ressalvadas as disposições específicas.  
11. A regra do art. 1.015, parágrafo único, do Código Civil deve ser aplicada à luz da teoria da aparência e do primado da boa-fé objetiva, de modo a prestigiar a segurança do tráfego negocial. As sociedades se obrigam perante terceiros de boa-fé.  
12. A regra contida no art. 1.055, § 1º, do Código Civil deve ser aplicada na hipótese de inexatidão da avaliação de bens conferidos ao capital social; a responsabilidade nela prevista não afasta a desconsideração da personalidade jurídica quando presentes seus requisitos legais.  
13. A decisão que decretar a dissolução parcial da sociedade deverá indicar a data de desligamento do sócio e o critério de apuração de haveres.  
14. É vedado aos administradores de  sociedades anônimas votarem para aprovação/rejeição de suas próprias contas, mesmo que o façam por interposta pessoa.  
15. O vocábulo “transação”, mencionado no art. 183 § 1º, d, da Lei das S.A., deve ser lido como sinônimo de “negócio jurídico”, e não no sentido técnico que é definido pelo Capítulo XIX do Título VI do Livro I da Parte Especial do Código Civil brasileiro.  
16. O adquirente de cotas ou ações adere ao contrato social ou estatuto no que se refere à cláusula compromissória (cláusula de arbitragem) nele  existente; assim, estará vinculado à previsão da opção da jurisdição arbitral, independentemente de assinatura e/ou manifestação específica a esse respeito.  
17. Na sociedade limitada com dois sócios, o sócio titular de mais da metade do capital social pode excluir extrajudicialmente o sócio minoritário desde que atendidas as exigências materiais e procedimentais previstas no art. 1.085, caput e parágrafo único, do CC.  
18. O capital social da sociedade limitada poderá ser integralizado, no todo ou em parte, com quotas ou ações de outra sociedade, cabendo aos sócios a escolha do critério de avaliação das respectivas participações societárias, diante da responsabilidade solidária 
pela exata estimação dos bens conferidos ao capital social, nos termos do art. 1.055, § 1º, do Código Civil.  
19. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor às relações entre sócios/acionistas ou entre eles e a sociedade. 


Obrigações Empresariais, Contratos e Títulos de Crédito (Enunciados 20 a 41) - Coordenação Científica: Professor Fábio Ulhoa Coelho 


20. Não se aplica o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados entre empresários em que um dos contratantes tenha por objetivo suprir-se de insumos para sua atividade de produção, comércio ou prestação de serviços. 
21. Nos contratos empresariais, o dirigismo contratual deve ser mitigado, tendo em vista a simetria natural das relações interempresariais.  
22. Não se presume solidariedade passiva (art. 265 do Código Civil) pelo simples fato de duas ou mais pessoas jurídicas integrarem o mesmo grupo econômico. 
23. Em contratos empresariais, é lícito às partes contratantes estabelecer parâmetros objetivos para a interpretação dos requisitos de revisão e/ou resolução do pacto contratual.  
24. Os contratos empresariais coligados,  concretamente formados por unidade de interesses econômicos, permitem a arguição da exceção de contrato não cumprido, salvo quando a obrigação inadimplida for de escassa importância. 
25. A revisão do contrato por onerosidade  excessiva fundada no Código Civil deve levar em conta a natureza do objeto do contrato. Nas relações empresariais, deve-se presumir a sofisticação dos contratantes  e observar a alocação de riscos por eles acordada.  
26. O contrato empresarial cumpre sua função social quando não acarreta prejuízo a direitos ou interesses, difusos ou coletivos, de titularidade de sujeitos não participantes da relação negocial. 
27. Não se presume violação à boa-fé objetiva se o empresário, durante as negociações do contrato empresarial, preservar segredo  de empresa ou administrar a prestação de informações reservadas, confidenciais ou estratégicas, com o objetivo de não colocar em risco a competitividade de sua atividade. 
28. Em razão do profissionalismo com que os empresários devem exercer sua atividade, os contratos empresariais não podem ser anulados pelo vício da lesão fundada na inexperiência. 
29. Aplicam-se aos negócios jurídicos entre empresários a função social do contrato e a boa-fé objetiva (arts. 421  e 422 do Código Civil), em conformidade com as 
especificidades dos contratos empresariais. 
30. Nos contratos de shopping center, a cláusula de fiscalização das contas do lojista é justificada desde que as medidas fiscalizatórias não causem embaraços à atividade do lojista.  
31. O contrato de distribuição previsto no art. 710 do Código Civil é uma modalidade de agência em que o agente atua como mediador ou mandatário do proponente e faz jus à remuneração devida por este, correspondente aos negócios concluídos em sua zona. No contrato de distribuição autêntico, o distribuidor comercializa diretamente o produto recebido do fabricante ou fornecedor, e seu  lucro resulta das vendas que faz por sua conta e risco.  
32. Nos contratos de prestação de serviços nos quais as partes contratantes são empresários e a função econômica do contrato está relacionada com a exploração de atividade empresarial, as partes podem pactuar prazo superior a quatro anos, dadas as especificidades da natureza do serviço a ser prestado, sem constituir violação do disposto no art. 598 do Código Civil. 
33. Nos contratos de prestação de serviços nos quais as partes contratantes são empresários e a função econômica do contrato está relacionada com a exploração de atividade empresarial, é lícito às partes contratantes pactuarem, para a hipótese de denúncia imotivada do contrato, multas superiores àquelas previstas no art. 603 do Código Civil.  
34. Com exceção da garantia contida no artigo 618 do Código Civil, os demais artigos referentes, em especial, ao contrato de  empreitada (arts. 610  a 626) aplicar-se-ão somente de forma subsidiária às condições contratuais acordadas pelas partes de contratos complexos de engenharia e construção, tais como EPC, EPC-M e Aliança.  
35. Não haverá revisão ou resolução dos contratos de derivativos por imprevisibilidade e onerosidade excessiva (arts. 317 e 478 a 480 do Código Civil). 
36. O pagamento da comissão, no contrato de corretagem celebrado entre empresários, pode ser condicionado à celebração do negócio previsto no contrato ou à mediação útil ao cliente, conforme os entendimentos prévios entre as partes. Na ausência de ajuste ou previsão contratual, o cabimento da comissão deve ser analisado no caso concreto, à luz da boa-fé objetiva e da vedação ao enriquecimento sem causa, sendo devida se o negócio não vier a se concretizar por fato atribuível exclusivamente a uma das partes. 
37. Aos contratos de transporte aéreo internacional celebrados por empresários aplicam-se as disposições da Convenção de Montreal e a regra da indenização tarifada nela prevista (art. 22 do Decreto n. 5.910/2006).  
38. É devida devolução simples, e não em dobro, do valor residual garantido (VRG) em caso de reintegração de posse do bem objeto de arrendamento mercantil celebrado entre 
empresários. 
39. Não se aplica a vedação do art. 897, parágrafo único, do Código Civil, aos títulos de crédito regulados por lei especial, nos termos do seu art. 903, sendo, portanto, admitido o aval parcial nos títulos de crédito regulados em lei especial. 
40. O prazo prescricional de 6 (seis) meses para o exercício da pretensão à execução do cheque pelo respectivo portador é contado do encerramento do prazo de apresentação, tenha ou não sido apresentado ao sacado dentro do referido prazo. No caso de cheque pós-datado apresentado antes da data de emissão ao sacado ou da data pactuada com o emitente, o termo inicial é contado da data da primeira apresentação. 
41. A cédula de crédito bancário é título de crédito dotado de força executiva, mesmo quando representativa de dívida oriunda de contrato de abertura de crédito bancário em conta-corrente, não sendo a ela aplicável a orientação da Súmula 233 do STJ.  


Crise da Empresa: Falência e Recuperação (Enunciados 42 a 57) - Coordenação Científica: Professor Paulo Penalva Santos 


42. O prazo de suspensão previsto no art. 6º, § 4º, da Lei n. 11.101/2005 pode excepcionalmente ser prorrogado, se o retardamento do feito não puder ser imputado ao devedor.  
43. A suspensão das ações e execuções previstas no art. 6º da Lei n. 11.101/2005 não se estende aos coobrigados do devedor. 
44. A homologação de plano de recuperação  judicial aprovado pelos credores está sujeita ao controle judicial de legalidade. 
45. O magistrado pode desconsiderar o voto de credores ou a manifestação de vontade do devedor, em razão de abuso de direito. 
46. Não compete ao juiz deixar de conceder a recuperação judicial ou de homologar a extrajudicial com fundamento na análise econômico-financeira do plano de recuperação aprovado pelos credores. 
47. Nas alienações realizadas nos termos do art. 60 da Lei n. 11.101/2005, não há sucessão do adquirente nas dívidas do devedor, inclusive nas de natureza tributária, trabalhista e decorrentes de acidentes de trabalho. 
48. A apuração da responsabilidade pessoal dos sócios, controladores e administradores feita independentemente da realização do ativo e da prova da sua insuficiência para cobrir o passivo, prevista no art. 82 da Lei n. 11.101/2005, não se refere aos casos de desconsideração da personalidade jurídica. 
49. Os deveres impostos pela Lei n. 11.101/2005 ao falido, sociedade limitada, recaem apenas sobre os administradores, não sendo cabível nenhuma restrição à pessoa dos sócios não administradores.  
50. A extensão dos efeitos da quebra a outras pessoas jurídicas e físicas confere legitimidade à massa falida para figurar nos polos ativo e passivo das ações nas quais figurem aqueles atingidos pela falência. 
51. O saldo do crédito não coberto pelo valor do bem e/ou da garantia dos contratos previstos no § 3º do art. 49 da Lei n.  11.101/2005 é crédito quirografário, sujeito à recuperação judicial. 
52. A decisão que defere o processamento da recuperação judicial desafia agravo de instrumento. 
53. A assembleia geral de credores para deliberar sobre o plano de recuperação judicial é una, podendo ser realizada em uma ou mais sessões, das quais participarão ou serão considerados presentes apenas os credores que firmaram a lista de presença encerrada na sessão em que instalada a assembleia geral.  
54. O deferimento do processamento da recuperação judicial não enseja o cancelamento da negativação do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito e nos tabelionatos de protestos. 
55. O parcelamento do crédito tributário na recuperação judicial é um direito do contribuinte, e não uma faculdade da Fazenda Pública, e, enquanto não for editada lei específica, não é cabível a aplicação do disposto no art. 57 da Lei n. 11.101/2005 e no art.191-A do CTN. 
56. A Fazenda Pública não possui legitimidade ou interesse de agir para requerer a falência do devedor empresário. 
57. O plano de recuperação judicial deve prever tratamento igualitário para os membros da mesma classe de credores que possuam interesses homogêneos, sejam estes delineados em função da natureza do crédito, da importância do crédito ou de outro critério de similitude justificado pelo proponente do plano e homologado pelo magistrado. 

Fonte: site do Conselho da Justiça Federal

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Lei nº 12.694/12 – Organizações criminosas


Anote no seu vade mecum: a Lei nº 12.694/12, que entra em vigor em 23/10/2012, dispôs sobre o processo e o julgamento colegiado em primeiro grau de jurisdição de crimes praticados por organizações criminosas; e alterou o Código Penal, o Código de Processo Penal, o Código de Trânsito Brasileiro e o Estatuto do Desarmamento.

Em breves linhas, essa lei:
  • conceituou organização criminosa e possibilitou a prática de atos de forma colegiada (3 magistrados) no 1º grau de jurisdição nos crimes praticados dessa forma associativa;
  • autorizou medidas de reforço da segurança dos prédios da Justiça;
  • permitiu porte de arma por servidores de segurança dos tribunais e Ministério Público;
  • tratou da proteção pessoal para situação de risco das autoridades judiciais ou membros do Ministério Público e de seus familiares; e
  • tratou da perda de bens ou valores equivalentes ao produto ou proveito do crime.

quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Lei nº 12.654/12 – Perfil genético

Atualize o seu vade mecum: a Lei nº 12.654/12  autorizou a identificação criminal mediante coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.
O diploma legislativo mencionado, que só entrará em vigor em 25/11/12 , alterou a Lei nº 12.037/09 – que dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal – e a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84).
Segundo os novos dispositivos, a identificação criminal com coleta de material biológico é facultativa quando for essencial às investigações policiaissegundo despacho da autoridade judiciária competente, e obrigatória, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor, para os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por crime hediondo.
Veja o texto da lei:Art. 1º  O art. 5º da Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:“Art. 5º .......................................................................Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3º, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.”  
[...]
Art. 3º  A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9º-A:“Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
A identificação do criminoso será armazenada em banco de dados sigiloso. A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.
A lei ainda prevê que a exclusão dos perfis genéticos ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.

O perfil genético

Trata de projeto de lei que, originariamente, visava estabelecer a identificação genética apenas para os condenados por crime praticado com violência contra pessoa ou considerado hediondo. Como justificativa do projeto, consta que este viria
“para reforçar um processo já em andamento no Brasil. Nosso País deverá contar, em breve, e já tardiamente, com um banco de perfis de DNA nacional para auxiliar nas investigações de crimes praticados com violência. O sistema, denominado CODIS (Combined DNA Index System) é o mesmo usado pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, e por mais 30 países. O processo para a implantação do CODIS começou em 2004. O banco de evidências será abastecido pelas perícias oficiais dos Estados com dados retirados de vestígios genéticos deixados em situação de crime, como sangue, sêmen, unhas, fios de cabelo ou pele.
O CODIS prevê ainda um banco de identificação genética de criminosos, que conteria o material de condenados. Todavia, a sua implantação depende de lei. É do que trata o presente projeto. De fato, uma coisa é o banco de dados operar apenas com vestígios; outra é poder contar também com o material genético de condenados, o que otimizaria em grande escala o trabalho investigativo.
A determinação de identidade genética pelo DNA constitui um dos produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana. Ela é hoje uma ferramenta indispensável para a investigação criminal.
Evidências biológicas (manchas de sangue, sêmen, cabelos etc.) são frequentemente encontradas em cenas de crimes, principalmente aqueles cometidos com violência. O DNA pode ser extraído dessas evidências e estudado por técnicas moleculares no laboratório, permitindo a identificação do indivíduo de quem tais evidências se originaram. Obviamente que o DNA não pode por si só provar a culpabilidade criminal de uma pessoa ou inocentála, mas pode estabelecer uma conexão irrefutável entre a pessoa e a cena do crime. Atualmente os resultados da determinação de identificação genética
pelo DNA já são rotineiramente aceitos em processos judiciais em todo o mundo.
O DNA pode ser encontrado em todos os fluidos e tecidos biológicos humanos e permite construir um perfil genético individual. Além disso, características moldadas ao longo da história evolutiva dos seres vivos adaptaram o DNA para ser uma molécula informacional com baixíssima reatividade química e grande resistência à degradação. Essa robustez da molécula faz com que o DNA seja ideal como fonte de identificação resistente à passagem do tempo e às agressões ambientais frequentemente encontradas em cenas de crimes.
A determinação de identidade genética pelo DNA pode ser usada para muitos fins hoje em dia: demonstrar a culpabilidade dos criminosos, exonerar os inocentes, identificar corpos e restos humanos em desastres aéreos e campos de batalha, determinar paternidade, elucidar trocas de bebês em berçários e detectar substituições e erros de rotulação em laboratórios de patologia clínica.”
O projeto sofreu alterações durante a tramitação no Senado, sendo inserida a previsão da identificação criminal por coleta de material biológico nas hipóteses do inciso IV do art. 3º da Lei nº 12.037/09 (Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando […] IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa).
estudos recentes apontam o Brasil como o sexto País do mundo em taxa de homicídios (26,4 homicídios em 100.000 habitantes/ano) e destacam uma situação igualmente grave em relação aos crimes sexuais. As taxas de elucidação desses delitos são baixas, com menos de 10% dos homicidas apropriadamente identificados e condenados, devido à ausência de prova material; tal fato tem causado comumente o arquivamento de vários inquéritos e denúncias.
A efetiva atuação da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos certamente diminuirá esses índices alarmantes de violência. Todavia, a legislação em vigor não obriga os condenados por crimes graves a fornecer amostras biológicas de referência.
Entendo, portanto, que a presente proposição ofertará mais eficiência ao banco de dados de identificação de perfil genético, ao permitir a colheita de DNA por procedimento não invasivo, não ofendendo, por conseguinte, os princípios de respeito à integridade física e à dignidade humana.”
Na análise da proposição na Câmara dos Deputados, destacou-se um estudo realizado pelo Juiz Federal Carlos Henrique Borlido Haddad, mestre e doutor em ciência penal, no qual este conclui que
“A admissão do exame de DNA compulsório no processo penal brasileiro, posto que seja uma novidade em relação ao tipo de prova que disponibilizará, não representará nenhuma inovação acerca das restrições e bens jurídicos que já suporta o acusado. A pena privativa de liberdade, a prisão provisória de finalidade instrutória indireta, o monitoramento ininterrupto de diálogos, a sanção capital e a medida de segurança de caráter indeterminado são superlativamente mais lesivos do que a colheita do material orgânico, mormente em relação àquela que não possui o caráter de invasividade. É preciso apenas voltar os olhos para as provas e sanções atualmente existentes no processo penal e lembrar-se da existência de medidas de caráter restritivo para superar a cultura de intangibilidade absoluta do acusado.
O exame de DNA compulsório é adotado em Estados do civil e do common law, e tem-se mostrado como importante instrumento para a melhor elucidação dos fatos no processo penal. Conquanto limite e restrinja alguns bens jurídicos dignos de tutela, não suprime ou ofende os direitos do acusado no processo.
A incorporação do exame de DNA obrigatório no processo penal brasileiro ainda não se verificou, porque depende de lei específica que preveja as hipóteses em que pode ser compulsoriamente executado, em que condições será realizado, bem como de quais direitos e prerrogativas dispõe o réu e quais medidas de proteção da informação deverão ser adotadas. Atualmente, em face da lacuna legislativa, é indispensável o consentimento do réu para a realização do exame sobre o material orgânico dele originado. A regulamentação das intervenções corporais deve ter por norte o cânone de proporcionalidade e prever a submissão obrigatória quando nenhum meio menos gravoso para o acusado revele-se eficaz no esclarecimento dos fatos. A consecução coercitiva da extração de amostras de material orgânico, ao mesmo tempo em que obsta que sejam adotadas as temerárias presunções de culpabilidade, não acrescenta nova acusação ou punição pela recusa injustificada do acusado. Ademais, o recurso às intervenções corporais compulsórias propicia maior segurança no julgamento através da apresentação de prova embasada em preceitos científicos irrefutáveis”.
Em outro texto, o diretor da Diretoria Técnico-Científica da Polícia Federal, Paulo Roberto Fagundes, consolida a discussão sobre banco de dados de perfil genético de forma objetiva:
“A utilização do DNA como instrumento de investigação e prova é uma realidade nos laboratórios oficiais do Brasil. Contudo, os exames são realizados apenas quando se têm amostras suspeitas e amostras referências para comparação - os chamados casos fechados. A eficácia na utilização do DNA na investigação criminal pede a implantação de um Banco de Dados de DNA Criminal no país, no qual serão armazenados perfis de DNA coletados em cenas de crimes para as mais diversas comparações possíveis no intuito de esclarecimento de autoria de tais crimes. Para a implantação de um sistema desse tipo existem algumas condições a serem cumpridas (...), do ponto de vista estratégico, a aprovação de um projeto de lei que estabeleça condições de armazenagem de perfis de DNA é o primeiro passo para a implantação gradual do banco de dados. (...) As demais condicionantes serão paulatinamente ajustadas desde que essas condições essenciais sejam garantidas.”

Contraponto

O Dr. Eugênio Pacelli de Oliveira teceu algumas considerações sobre esta lei, as quais cabe transcrever na íntegra:
“Quartas com Lei e com Direito – 06.06.2012 – A identificação criminal/ Lei 12.654/12
Em cena agora a Lei 12.654/2012, que introduz novas modalidades de identificação criminal, primeiro para fins de investigação (probatórias), alterando, no ponto a Lei 12.037/09, e, também, para fins de manutenção de dados genéticos de condenados por crimes praticados com grave violência à pessoa, além daqueles mencionados na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90). Com e para isso, alterou-se, mediante inclusão do art. 9º-A, a Lei de Execuções Penais.
A identificação associada à indispensabilidade da descoberta da autoria e submetida ao controle judicial, quanto à necessidade e quanto à pertinência - a ser feito por decisão motivada, como ocorre em qualquer tangenciamento das inviolabilidades constitucionais (comunicações telefônicas, domicílio etc.) - nada tem de inconstitucional. Tema que já esgotamos em nosso “Processo e Hermenêutica na tutela dos direitos fundamentais”, cuja síntese pode ser também encontrada no artigo “Breves notas sobre a autoincriminação”, disponível em nosso site. Basta que os meios de coleta respeitem a regra de proibição de ingerências abusivas e desnecessárias, conforme estipulado em Tratados Internacionais sobre a matéria. Inconstitucionalidade alguma, portanto. Nem aqui e nem no resto do mundo ocidental.
Já em relação à outra (Cadastro genético de condenados), ainda estamos em dúvida quanto à respectiva constitucionalidade. Deixo os amigos com pequeno recorte de texto atualizado da 3ª. edição do citado “Processo e Hermenêutica”, a ser lançado em agosto desse ano pela Editora Atlas.
“A medida, para além de seu caráter estigmatizante, viola o verdadeiro direito daquele que, após o cumprimento de sua pena, deve retornar ao estado pleno de cidadania e de inocência, em relação a fatos futuros - ressalvada apenas a possibilidade de valoração da condenação para fins de nova imposição penal (reincidência). Não se justifica a manutenção indefinida de seu registro genético, afastada de finalidades probatórias, isto é, ligadas à efetividade do processo penal. Nesse passo, bastaria aos interesses do Estado a manutenção sigilosa dos registros sobre o processo e sobre a condenação, conforme o disposto no art. 95, Código Penal, a cuidar da reabilitação.
O tema da identificação criminal se encontra na Constituição da República, mais precisamente em seu art. 5º, LVIII, como garantia individual. Ou seja, sua interpretação vem orientada pela proibição do excesso, somente admitindo-se a medida quando absolutamente necessária.
Uma coisa é permitir a identificação genética para finalidades probatórias; outra, muito diferente, é referendar um cadastro genético nacional de condenados em crimes graves. Aí, parece-nos, haveria transcendência exponencial da Segurança Pública, incompatível com o Estado de Direito e as liberdades públicas. A pessoa, em semelhante cenário, passaria do estado (situação) de inocência para o estado de suspeição, ainda que se reconheça – e o fazemos expressamente!– o proveito na apuração de futuros delitos (casos de reiteração, evidentemente). A radicalização no tratamento do egresso do sistema carcerário atingiria níveis incompatíveis com as funções declaradas da pena pública.
De resto, a elevação prévia do processo de estigmatização do culpado poderia concretizar o alarme a que se referia Rui Barbosa em seus famosos Discursos: ‘prendam os suspeitos de sempre’. Que não se pense que desconhecemos a gravidade dos crimes que se repetem tragicamente no país. Ou que ignoramos a necessidade de um combate mais eficaz contra tais ações. E, menos ainda, que não nos alinhamos a todos aqueles que se indignam contra agressões abjetas e incontroláveis por parte das pessoas referidas na citada lei. Nada disso.
A questão é: não haverá limites para essa nobilíssima batalha?”

Lei nº 12.654/12

Conheça o texto da Lei nº 12.654/12:

"A  PRESIDENTA   DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 
Art. 1o  O art. 5o da Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: 
“Art. 5o  ....................................................................... 
Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.” (NR) 
Art. 2o  A Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: 
“Art. 5o-A.  Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. 
§ 1o  As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. 
§ 2o  Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. 
§ 3o  As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.” 
“Art. 7o-A.  A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.” 
“Art. 7o-B.  A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.” 
Art. 3o  A Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9o-A: 
“Art. 9o-A.  Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. 
§ 1o  A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. 
§ 2o  A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.” 
Art. 4o  Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da data de sua publicação. 
Brasília,  28  de  maio  de  2012; 191o da Independência e 124o da República. 

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Luiz Inácio Lucena Adams

ATUALIZAÇÃO: Decreto nº 7.950/13, publicado no DOU de 13.3.2013 -
Institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.
    Você tem algo a acrescentar sobre esse assunto? Então agregue o conteúdo nos "comentários" e vamos construir um ótimo banco de dados colaborativo, sempre respeitando o direito autoral!

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Civil - Lei nº 12.696/12 – Conselhos Tutelares

Atualize seu vade mecum: a Lei nº 12.696/12 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA em relação aos Conselhos Tutelares.
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA
Com a publicação da lei, foi vinculada a obrigatoriedade de existência de, no mínimo, um Conselho Tutelar vinculado ao Município ou Região Administrativa do Distrito Federal. O Conselho Tutelar, agora definido como órgão integrante da administração pública, será composto de 5 membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 anos, permitida 1 recondução.
A eleição para o Conselho Tutelar será unificada e ocorrerá no primeiro domingo do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição presidencial, e a posse, no dia 10 de janeiro do ano subsequente.
Ainda foram previstos possibilidade de remuneração e alguns direitos trabalhistas aos conselheiros.
A lei também retirou o direito à prisão especial que era assegurado aos conselheiros pela anterior redação do art. 135 do ECA.

 

O Conselho Tutelar

O Conselho Tutelar, como definido no art. 131 do ECA, é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, com a missão de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
Suas atribuições estão elencadas no art. 136 e incluem atender as crianças e adolescentes sempre que seus direitos forem ameaçados ou violados, bem como atender e aconselhar os país ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129.
Essas medidas incluem, entre outras, encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção a família, a tratamentos psicológicos ou psiquiátricos, a cursos ou programas de orientação. Especial atenção deve ser dada às medidas relacionadas com a educação, perda da guarda e destituição de tutela.
Ainda no âmbito das atribuições do Conselho Tutelar está a promoção da execução de suas decisões, podendo para tanto requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança e representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações.
A importância das decisões do Conselho Tutelar está expressa no art. 137 do ECA, segundo o qual elas somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.

 

As inovações legislativas

Nos debates sobre o projeto de lei, consignou-se no parecer aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado a
necessidade de aperfeiçoar a disciplina dos Conselhos Tutelares, órgãos instituídos pelo ECA que se revelam essenciais para a consolidação da cidadania no País, já que representam a convergência e o cruzamento de diversos valores inscritos na Constituição Cidadã de 1988, entre os quais despontam: a proteção integral devida a crianças e adolescentes; a competência concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal de legislar sobre a matéria; a valorização e multiplicação dos conselhos, abertos à participação da sociedade civil; a descentralização político-administrativa das ações governamentais na área da assistência social; e a participação popular na formulação e no controle dessas ações.
Na tentativa de aperfeiçoar a disciplina dos Conselhos, os projetos acertam ao assumir a forma de lei modificadora, em consonância com a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, segundo a qual um assunto só pode ser disciplinado por mais de uma lei quando a subsequente complementa legislação básica e a ela expressamente se vincula. Também se materializam na espécie adequada de norma.
[…]
Já o projeto da Senadora Lúcia Vânia […] acerta, por exemplo, ao ampliar para quatro anos o mandato dos conselheiros tutelares, à semelhança do que ocorre com outros cargos eletivos, mas ao suprimir o limite para recondução, dá azo ao carreirismo e inibe o surgimento de novas lideranças comunitárias. Contraria, desse modo, o espírito republicano da lei, que tem na possibilidade de renovação frequente dos conselhos um dos seus pressupostos mais valiosos, por viabilizar a ampliação do rol de munícipes sensíveis à causa da infância e por aumentar o envolvimento da sociedade local com os protagonistas do futuro do País.
A fim de corrigir essa situação, sugerimos manter o texto atual do art. 132 do ECA quanto à limitação de uma única recondução ao cargo de conselheiro. Ademais, aproveitamos o ensejo para aperfeiçoar o dispositivo definindo a natureza do Conselho Tutelar como órgão da administração pública local e prevendo a existência de um desses órgãos, no mínimo, em cada microrregião ou região administrativa do Distrito Federal e dos municípios.
Cremos que o PLS nº 278, de 2009, acerta na redação proposta para o art. 134 do ECA: ao eliminar a previsão de disciplina municipal sobre o dia e o horário de funcionamento do Conselho Tutelar, assim reforçando a tese de ser contínua e ininterrupta a ação do órgão.
Em respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, sugerimos o acréscimo de parágrafo que faça remissão à origem da receita necessária para cobrir a despesa decorrente da remuneração. Entendemos, ainda, que a defesa de plano de saúde para os conselheiros tutelares feita na proposta de redação desse artigo prescinde da importância devida ao reconhecimento dos direitos trabalhistas básicos, a saber: cobertura previdenciária, férias remuneradas, pagamento do terço das férias; licença à gestante, licença-paternidade e décimo terceiro. Enquanto o reconhecimento desses direitos se faz urgente por falta mesmo de opção, a cobertura dos planos de saúde encontra alternativa nos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, cuja melhoria todos nós, brasileiros, devemos pleitear. “

 

Críticas

A nova redação do art. 134 determina que “Lei municipal ou distrital disporá sobre o local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quanto à remuneração dos respectivos membros, aos quais é assegurado o direito a" cobertura previdenciária; gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 (um terço) do valor da remuneração mensal; licença-maternidade; licença-paternidade; gratificação natalina. Ainda na análise do Senado, o voto em separado da autoria do então Senador Demóstenes Torres expõe possíveis pontos controversos da atualização legislativa:
Tenho como inconstitucionais, portanto, a supressão da competência legislativa municipal para dispor sobre o processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar e a fixação, seja da obrigatoriedade de o município remunerar os conselheiros tutelares, seja do valor da remuneração, seja dos direitos sociais e trabalhistas devidos aos conselheiros tutelares pelos municípios.
É bastante observar a redação atual dos arts. 134 e 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente, para se observar que o legislador da década de 1990 legou, em consonância com a natureza concorrente da competência da União em matéria de proteção à infância e à juventude, aos municípios a suplementação da legislação que regularia a implementação e financiamento dos conselhos tutelares, nos termos do art. 30, inc. II, da Constituição Federal.
[…]
Ocorre que esse modo de agir não se consubstancia em uma opção do legislador federal, que pode, agora, ser revista, para se fixar, no bojo do ECA, disciplina específica a vincular forma de provimento e remuneração de cargos a serem criados no interior da estrutura administrativa municipal, como bem esclarece a emenda apresentada pelo Senador Gim Argello. O legislador federal legou ao municipal a forma de provimento dos cargos de conselheiro tutelar e a existência de sua remuneração por estar a isso constrangido por diversas normas constitucionais de competência.
Observem os Senhores Senadores que o inciso III do art. 30 da Constituição Federal dispõe que compete aos municípios “instituir e arrecadar tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas”. Parece óbvio que a fixação, por parte do Congresso Nacional, de remuneração e direitos sociais e trabalhistas a serem garantidos pelos municípios em favor dos conselheiros tutelares implica a vinculação de parte das rendas dos municípios, em ofensa direta ao disposto no referido inc. III do art. 30.
A garantia à autonomia das municipalidades, tal como instituída no art. 18 da Constituição Federal passa, necessariamente, pelo monopólio dos municípios sobre a disposição de sua receita, seja ela derivada da cobrança de impostos de sua competência ou de repasses constitucionais a cargo do Estado ou da União.
Daí advém a conclusão segundo a qual a fixação da obrigatoriedade ou valor da remuneração dos conselheiros tutelares municipais importaria interferência inconstitucional da União nos municípios.
A alteração no art. 134 do ECA obrigaria as pessoas políticas municipais a despenderem, mesmo contra sua vontade, recursos a que fazem jus, por efeito de receita tributária ou transferência federativa. Não pode o legislativo federal impor o emprego, nem determinar a destinação de recursos municipais.
Registro que, em hipótese análoga, em que uma constituição estadual impôs aos municípios gasto vinculado de parcela de sua receita, o Supremo Tribunal Federal deixou assentada a “transgressão à cláusula constitucional da não-afetação da receita oriunda de impostos (CF, art. 167, IV) e ao postulado da autonomia municipal (CF, art. 30, III)”. Lê-se no precedente: “Inviabilidade de o Estado-Membro impor, ao município, a destinação de recursos e rendas que a este pertencem por direito próprio” (ADI-MC 2.355, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19-06-2002).
Não caberia, por outro ângulo, buscar o enquadramento das disposições presentes no PLS nº 278, de 2009, ou na versão apresentada pelo relator, como normas gerais. O estabelecimento de específicos direitos sociais e trabalhistas para os conselheiros tutelares, bem como a fixação de sua remuneração não podem, nem de longe, ser consideradas normas gerais.
Em obra doutrinária de autoria coletiva, o Ministro Gilmar Mendes assim define as normas gerais vinculadas ao art. 24 da Constituição:
A divisão de tarefas está contemplada nos parágrafos do art. 24, de onde se extrai que cabe à União editar normas gerais – i. é. normas não exaustivas, leis-quadro, princípios amplos, que traçam um plano, sem descer a pormenores” (Curso de direito constitucional, 6ª ed., p. 853).
No mesmo sentido, a definição elaborada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADI-MC 927, de relatoria do Min. Carlos Velloso. “As normas gerais – assentou o Tribunal – devem apresentar generalidade maior do que apresentam, de regra, as leis. Norma geral, tal como posta na Constituição, tem o sentido de diretriz, de princípio geral”.
Em síntese, no exercício da competência concorrente para legislar sobre “proteção à infância e à juventude”, estabelecida no inc. XV do art. 24 da Constituição, a União só pode editar normas gerais (§1º, art. 24, da Constituição Federal), categoria na qual não se enquadram as alterações apresentadas tanto pela Senadora Lúcia Vânia quanto pelo relator, Senador Gim Argello, a serem implementadas no texto do art. 134 do Estatuto da Criança e do adolescente.
[…]
Antes de concluir esse voto em separado Senhor Presidente, eu gostaria de convidar os Senhores Senadores a uma reflexão. São perfeitamente compreensíveis e louváveis as iniciativas parlamentares, partidas de ilustres senadores, no sentido de implementar, diante da espantosa morosidade dos municípios em faze-lo, os Conselhos Tutelares, órgãos intrinsecamente envolvidos na proteção da criança e do adolescente. Ainda assim, um cuidado maior com o nosso frágil pacto federativo convida à defesa das competências afetas aos estados e municípios, e foi por essa senda que segui no presente voto.
Talvez devêssemos levar a cabo audiências públicas, chamar as municipalidades à mesa, mapear as dificuldades que cercam a implantação dos conselhos tutelares, pensar em alternativas de financiamento federal para sua manutenção.
De outra sorte, a inércia legislativa e administrativa dos municípios pode e deve ser atacada mediante outros meios em direito admitidos. O avanço sobre a competência municipal deve ser, porém, refreado.”
Fonte: sites da Presidência da República e do Senado Federal

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