quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Lei nº 12.654/12 – Perfil genético

Atualize o seu vade mecum: a Lei nº 12.654/12  autorizou a identificação criminal mediante coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.
O diploma legislativo mencionado, que só entrará em vigor em 25/11/12 , alterou a Lei nº 12.037/09 – que dispõe sobre a identificação criminal do civilmente identificado, regulamentando o art. 5º, inciso LVIII, da Constituição Federal – e a Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84).
Segundo os novos dispositivos, a identificação criminal com coleta de material biológico é facultativa quando for essencial às investigações policiaissegundo despacho da autoridade judiciária competente, e obrigatória, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor, para os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por crime hediondo.
Veja o texto da lei:Art. 1º  O art. 5º da Lei nº 12.037, de 1º de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:“Art. 5º .......................................................................Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3º, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.”  
[...]
Art. 3º  A Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9º-A:“Art. 9o-A. Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1º da Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor.
A identificação do criminoso será armazenada em banco de dados sigiloso. A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.
A lei ainda prevê que a exclusão dos perfis genéticos ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.

O perfil genético

Trata de projeto de lei que, originariamente, visava estabelecer a identificação genética apenas para os condenados por crime praticado com violência contra pessoa ou considerado hediondo. Como justificativa do projeto, consta que este viria
“para reforçar um processo já em andamento no Brasil. Nosso País deverá contar, em breve, e já tardiamente, com um banco de perfis de DNA nacional para auxiliar nas investigações de crimes praticados com violência. O sistema, denominado CODIS (Combined DNA Index System) é o mesmo usado pelo FBI, a polícia federal dos Estados Unidos, e por mais 30 países. O processo para a implantação do CODIS começou em 2004. O banco de evidências será abastecido pelas perícias oficiais dos Estados com dados retirados de vestígios genéticos deixados em situação de crime, como sangue, sêmen, unhas, fios de cabelo ou pele.
O CODIS prevê ainda um banco de identificação genética de criminosos, que conteria o material de condenados. Todavia, a sua implantação depende de lei. É do que trata o presente projeto. De fato, uma coisa é o banco de dados operar apenas com vestígios; outra é poder contar também com o material genético de condenados, o que otimizaria em grande escala o trabalho investigativo.
A determinação de identidade genética pelo DNA constitui um dos produtos mais revolucionários da moderna genética molecular humana. Ela é hoje uma ferramenta indispensável para a investigação criminal.
Evidências biológicas (manchas de sangue, sêmen, cabelos etc.) são frequentemente encontradas em cenas de crimes, principalmente aqueles cometidos com violência. O DNA pode ser extraído dessas evidências e estudado por técnicas moleculares no laboratório, permitindo a identificação do indivíduo de quem tais evidências se originaram. Obviamente que o DNA não pode por si só provar a culpabilidade criminal de uma pessoa ou inocentála, mas pode estabelecer uma conexão irrefutável entre a pessoa e a cena do crime. Atualmente os resultados da determinação de identificação genética
pelo DNA já são rotineiramente aceitos em processos judiciais em todo o mundo.
O DNA pode ser encontrado em todos os fluidos e tecidos biológicos humanos e permite construir um perfil genético individual. Além disso, características moldadas ao longo da história evolutiva dos seres vivos adaptaram o DNA para ser uma molécula informacional com baixíssima reatividade química e grande resistência à degradação. Essa robustez da molécula faz com que o DNA seja ideal como fonte de identificação resistente à passagem do tempo e às agressões ambientais frequentemente encontradas em cenas de crimes.
A determinação de identidade genética pelo DNA pode ser usada para muitos fins hoje em dia: demonstrar a culpabilidade dos criminosos, exonerar os inocentes, identificar corpos e restos humanos em desastres aéreos e campos de batalha, determinar paternidade, elucidar trocas de bebês em berçários e detectar substituições e erros de rotulação em laboratórios de patologia clínica.”
O projeto sofreu alterações durante a tramitação no Senado, sendo inserida a previsão da identificação criminal por coleta de material biológico nas hipóteses do inciso IV do art. 3º da Lei nº 12.037/09 (Art. 3º Embora apresentado documento de identificação, poderá ocorrer identificação criminal quando […] IV – a identificação criminal for essencial às investigações policiais, segundo despacho da autoridade judiciária competente, que decidirá de ofício ou mediante representação da autoridade policial, do Ministério Público ou da defesa).
estudos recentes apontam o Brasil como o sexto País do mundo em taxa de homicídios (26,4 homicídios em 100.000 habitantes/ano) e destacam uma situação igualmente grave em relação aos crimes sexuais. As taxas de elucidação desses delitos são baixas, com menos de 10% dos homicidas apropriadamente identificados e condenados, devido à ausência de prova material; tal fato tem causado comumente o arquivamento de vários inquéritos e denúncias.
A efetiva atuação da Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos certamente diminuirá esses índices alarmantes de violência. Todavia, a legislação em vigor não obriga os condenados por crimes graves a fornecer amostras biológicas de referência.
Entendo, portanto, que a presente proposição ofertará mais eficiência ao banco de dados de identificação de perfil genético, ao permitir a colheita de DNA por procedimento não invasivo, não ofendendo, por conseguinte, os princípios de respeito à integridade física e à dignidade humana.”
Na análise da proposição na Câmara dos Deputados, destacou-se um estudo realizado pelo Juiz Federal Carlos Henrique Borlido Haddad, mestre e doutor em ciência penal, no qual este conclui que
“A admissão do exame de DNA compulsório no processo penal brasileiro, posto que seja uma novidade em relação ao tipo de prova que disponibilizará, não representará nenhuma inovação acerca das restrições e bens jurídicos que já suporta o acusado. A pena privativa de liberdade, a prisão provisória de finalidade instrutória indireta, o monitoramento ininterrupto de diálogos, a sanção capital e a medida de segurança de caráter indeterminado são superlativamente mais lesivos do que a colheita do material orgânico, mormente em relação àquela que não possui o caráter de invasividade. É preciso apenas voltar os olhos para as provas e sanções atualmente existentes no processo penal e lembrar-se da existência de medidas de caráter restritivo para superar a cultura de intangibilidade absoluta do acusado.
O exame de DNA compulsório é adotado em Estados do civil e do common law, e tem-se mostrado como importante instrumento para a melhor elucidação dos fatos no processo penal. Conquanto limite e restrinja alguns bens jurídicos dignos de tutela, não suprime ou ofende os direitos do acusado no processo.
A incorporação do exame de DNA obrigatório no processo penal brasileiro ainda não se verificou, porque depende de lei específica que preveja as hipóteses em que pode ser compulsoriamente executado, em que condições será realizado, bem como de quais direitos e prerrogativas dispõe o réu e quais medidas de proteção da informação deverão ser adotadas. Atualmente, em face da lacuna legislativa, é indispensável o consentimento do réu para a realização do exame sobre o material orgânico dele originado. A regulamentação das intervenções corporais deve ter por norte o cânone de proporcionalidade e prever a submissão obrigatória quando nenhum meio menos gravoso para o acusado revele-se eficaz no esclarecimento dos fatos. A consecução coercitiva da extração de amostras de material orgânico, ao mesmo tempo em que obsta que sejam adotadas as temerárias presunções de culpabilidade, não acrescenta nova acusação ou punição pela recusa injustificada do acusado. Ademais, o recurso às intervenções corporais compulsórias propicia maior segurança no julgamento através da apresentação de prova embasada em preceitos científicos irrefutáveis”.
Em outro texto, o diretor da Diretoria Técnico-Científica da Polícia Federal, Paulo Roberto Fagundes, consolida a discussão sobre banco de dados de perfil genético de forma objetiva:
“A utilização do DNA como instrumento de investigação e prova é uma realidade nos laboratórios oficiais do Brasil. Contudo, os exames são realizados apenas quando se têm amostras suspeitas e amostras referências para comparação - os chamados casos fechados. A eficácia na utilização do DNA na investigação criminal pede a implantação de um Banco de Dados de DNA Criminal no país, no qual serão armazenados perfis de DNA coletados em cenas de crimes para as mais diversas comparações possíveis no intuito de esclarecimento de autoria de tais crimes. Para a implantação de um sistema desse tipo existem algumas condições a serem cumpridas (...), do ponto de vista estratégico, a aprovação de um projeto de lei que estabeleça condições de armazenagem de perfis de DNA é o primeiro passo para a implantação gradual do banco de dados. (...) As demais condicionantes serão paulatinamente ajustadas desde que essas condições essenciais sejam garantidas.”

Contraponto

O Dr. Eugênio Pacelli de Oliveira teceu algumas considerações sobre esta lei, as quais cabe transcrever na íntegra:
“Quartas com Lei e com Direito – 06.06.2012 – A identificação criminal/ Lei 12.654/12
Em cena agora a Lei 12.654/2012, que introduz novas modalidades de identificação criminal, primeiro para fins de investigação (probatórias), alterando, no ponto a Lei 12.037/09, e, também, para fins de manutenção de dados genéticos de condenados por crimes praticados com grave violência à pessoa, além daqueles mencionados na Lei dos Crimes Hediondos (Lei 8.072/90). Com e para isso, alterou-se, mediante inclusão do art. 9º-A, a Lei de Execuções Penais.
A identificação associada à indispensabilidade da descoberta da autoria e submetida ao controle judicial, quanto à necessidade e quanto à pertinência - a ser feito por decisão motivada, como ocorre em qualquer tangenciamento das inviolabilidades constitucionais (comunicações telefônicas, domicílio etc.) - nada tem de inconstitucional. Tema que já esgotamos em nosso “Processo e Hermenêutica na tutela dos direitos fundamentais”, cuja síntese pode ser também encontrada no artigo “Breves notas sobre a autoincriminação”, disponível em nosso site. Basta que os meios de coleta respeitem a regra de proibição de ingerências abusivas e desnecessárias, conforme estipulado em Tratados Internacionais sobre a matéria. Inconstitucionalidade alguma, portanto. Nem aqui e nem no resto do mundo ocidental.
Já em relação à outra (Cadastro genético de condenados), ainda estamos em dúvida quanto à respectiva constitucionalidade. Deixo os amigos com pequeno recorte de texto atualizado da 3ª. edição do citado “Processo e Hermenêutica”, a ser lançado em agosto desse ano pela Editora Atlas.
“A medida, para além de seu caráter estigmatizante, viola o verdadeiro direito daquele que, após o cumprimento de sua pena, deve retornar ao estado pleno de cidadania e de inocência, em relação a fatos futuros - ressalvada apenas a possibilidade de valoração da condenação para fins de nova imposição penal (reincidência). Não se justifica a manutenção indefinida de seu registro genético, afastada de finalidades probatórias, isto é, ligadas à efetividade do processo penal. Nesse passo, bastaria aos interesses do Estado a manutenção sigilosa dos registros sobre o processo e sobre a condenação, conforme o disposto no art. 95, Código Penal, a cuidar da reabilitação.
O tema da identificação criminal se encontra na Constituição da República, mais precisamente em seu art. 5º, LVIII, como garantia individual. Ou seja, sua interpretação vem orientada pela proibição do excesso, somente admitindo-se a medida quando absolutamente necessária.
Uma coisa é permitir a identificação genética para finalidades probatórias; outra, muito diferente, é referendar um cadastro genético nacional de condenados em crimes graves. Aí, parece-nos, haveria transcendência exponencial da Segurança Pública, incompatível com o Estado de Direito e as liberdades públicas. A pessoa, em semelhante cenário, passaria do estado (situação) de inocência para o estado de suspeição, ainda que se reconheça – e o fazemos expressamente!– o proveito na apuração de futuros delitos (casos de reiteração, evidentemente). A radicalização no tratamento do egresso do sistema carcerário atingiria níveis incompatíveis com as funções declaradas da pena pública.
De resto, a elevação prévia do processo de estigmatização do culpado poderia concretizar o alarme a que se referia Rui Barbosa em seus famosos Discursos: ‘prendam os suspeitos de sempre’. Que não se pense que desconhecemos a gravidade dos crimes que se repetem tragicamente no país. Ou que ignoramos a necessidade de um combate mais eficaz contra tais ações. E, menos ainda, que não nos alinhamos a todos aqueles que se indignam contra agressões abjetas e incontroláveis por parte das pessoas referidas na citada lei. Nada disso.
A questão é: não haverá limites para essa nobilíssima batalha?”

Lei nº 12.654/12

Conheça o texto da Lei nº 12.654/12:

"A  PRESIDENTA   DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: 
Art. 1o  O art. 5o da Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único: 
“Art. 5o  ....................................................................... 
Parágrafo único. Na hipótese do inciso IV do art. 3o, a identificação criminal poderá incluir a coleta de material biológico para a obtenção do perfil genético.” (NR) 
Art. 2o  A Lei no 12.037, de 1o de outubro de 2009, passa a vigorar acrescida dos seguintes artigos: 
“Art. 5o-A.  Os dados relacionados à coleta do perfil genético deverão ser armazenados em banco de dados de perfis genéticos, gerenciado por unidade oficial de perícia criminal. 
§ 1o  As informações genéticas contidas nos bancos de dados de perfis genéticos não poderão revelar traços somáticos ou comportamentais das pessoas, exceto determinação genética de gênero, consoante as normas constitucionais e internacionais sobre direitos humanos, genoma humano e dados genéticos. 
§ 2o  Os dados constantes dos bancos de dados de perfis genéticos terão caráter sigiloso, respondendo civil, penal e administrativamente aquele que permitir ou promover sua utilização para fins diversos dos previstos nesta Lei ou em decisão judicial. 
§ 3o  As informações obtidas a partir da coincidência de perfis genéticos deverão ser consignadas em laudo pericial firmado por perito oficial devidamente habilitado.” 
“Art. 7o-A.  A exclusão dos perfis genéticos dos bancos de dados ocorrerá no término do prazo estabelecido em lei para a prescrição do delito.” 
“Art. 7o-B.  A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo.” 
Art. 3o  A Lei no 7.210, de 11 de julho de 1984 - Lei de Execução Penal, passa a vigorar acrescida do seguinte art. 9o-A: 
“Art. 9o-A.  Os condenados por crime praticado, dolosamente, com violência de natureza grave contra pessoa, ou por qualquer dos crimes previstos no art. 1o da Lei no 8.072, de 25 de julho de 1990, serão submetidos, obrigatoriamente, à identificação do perfil genético, mediante extração de DNA - ácido desoxirribonucleico, por técnica adequada e indolor. 
§ 1o  A identificação do perfil genético será armazenada em banco de dados sigiloso, conforme regulamento a ser expedido pelo Poder Executivo. 
§ 2o  A autoridade policial, federal ou estadual, poderá requerer ao juiz competente, no caso de inquérito instaurado, o acesso ao banco de dados de identificação de perfil genético.” 
Art. 4o  Esta Lei entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias da data de sua publicação. 
Brasília,  28  de  maio  de  2012; 191o da Independência e 124o da República. 

DILMA ROUSSEFF
José Eduardo Cardozo
Luiz Inácio Lucena Adams

ATUALIZAÇÃO: Decreto nº 7.950/13, publicado no DOU de 13.3.2013 -
Institui o Banco Nacional de Perfis Genéticos e a Rede Integrada de Bancos de Perfis Genéticos.
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segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Civil - Lei nº 12.696/12 – Conselhos Tutelares

Atualize seu vade mecum: a Lei nº 12.696/12 alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA em relação aos Conselhos Tutelares.
Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA
Com a publicação da lei, foi vinculada a obrigatoriedade de existência de, no mínimo, um Conselho Tutelar vinculado ao Município ou Região Administrativa do Distrito Federal. O Conselho Tutelar, agora definido como órgão integrante da administração pública, será composto de 5 membros, escolhidos pela população local para mandato de 4 anos, permitida 1 recondução.
A eleição para o Conselho Tutelar será unificada e ocorrerá no primeiro domingo do mês de outubro do ano subsequente ao da eleição presidencial, e a posse, no dia 10 de janeiro do ano subsequente.
Ainda foram previstos possibilidade de remuneração e alguns direitos trabalhistas aos conselheiros.
A lei também retirou o direito à prisão especial que era assegurado aos conselheiros pela anterior redação do art. 135 do ECA.

 

O Conselho Tutelar

O Conselho Tutelar, como definido no art. 131 do ECA, é um órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, com a missão de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente.
Suas atribuições estão elencadas no art. 136 e incluem atender as crianças e adolescentes sempre que seus direitos forem ameaçados ou violados, bem como atender e aconselhar os país ou responsável, aplicando as medidas previstas no art. 129.
Essas medidas incluem, entre outras, encaminhamento a programa oficial ou comunitário de proteção a família, a tratamentos psicológicos ou psiquiátricos, a cursos ou programas de orientação. Especial atenção deve ser dada às medidas relacionadas com a educação, perda da guarda e destituição de tutela.
Ainda no âmbito das atribuições do Conselho Tutelar está a promoção da execução de suas decisões, podendo para tanto requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social, previdência, trabalho e segurança e representar junto à autoridade judiciária nos casos de descumprimento injustificado de suas deliberações.
A importância das decisões do Conselho Tutelar está expressa no art. 137 do ECA, segundo o qual elas somente poderão ser revistas pela autoridade judiciária a pedido de quem tenha legítimo interesse.

 

As inovações legislativas

Nos debates sobre o projeto de lei, consignou-se no parecer aprovado na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado a
necessidade de aperfeiçoar a disciplina dos Conselhos Tutelares, órgãos instituídos pelo ECA que se revelam essenciais para a consolidação da cidadania no País, já que representam a convergência e o cruzamento de diversos valores inscritos na Constituição Cidadã de 1988, entre os quais despontam: a proteção integral devida a crianças e adolescentes; a competência concorrente da União, dos estados e do Distrito Federal de legislar sobre a matéria; a valorização e multiplicação dos conselhos, abertos à participação da sociedade civil; a descentralização político-administrativa das ações governamentais na área da assistência social; e a participação popular na formulação e no controle dessas ações.
Na tentativa de aperfeiçoar a disciplina dos Conselhos, os projetos acertam ao assumir a forma de lei modificadora, em consonância com a Lei Complementar nº 95, de 26 de fevereiro de 1998, segundo a qual um assunto só pode ser disciplinado por mais de uma lei quando a subsequente complementa legislação básica e a ela expressamente se vincula. Também se materializam na espécie adequada de norma.
[…]
Já o projeto da Senadora Lúcia Vânia […] acerta, por exemplo, ao ampliar para quatro anos o mandato dos conselheiros tutelares, à semelhança do que ocorre com outros cargos eletivos, mas ao suprimir o limite para recondução, dá azo ao carreirismo e inibe o surgimento de novas lideranças comunitárias. Contraria, desse modo, o espírito republicano da lei, que tem na possibilidade de renovação frequente dos conselhos um dos seus pressupostos mais valiosos, por viabilizar a ampliação do rol de munícipes sensíveis à causa da infância e por aumentar o envolvimento da sociedade local com os protagonistas do futuro do País.
A fim de corrigir essa situação, sugerimos manter o texto atual do art. 132 do ECA quanto à limitação de uma única recondução ao cargo de conselheiro. Ademais, aproveitamos o ensejo para aperfeiçoar o dispositivo definindo a natureza do Conselho Tutelar como órgão da administração pública local e prevendo a existência de um desses órgãos, no mínimo, em cada microrregião ou região administrativa do Distrito Federal e dos municípios.
Cremos que o PLS nº 278, de 2009, acerta na redação proposta para o art. 134 do ECA: ao eliminar a previsão de disciplina municipal sobre o dia e o horário de funcionamento do Conselho Tutelar, assim reforçando a tese de ser contínua e ininterrupta a ação do órgão.
Em respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal, sugerimos o acréscimo de parágrafo que faça remissão à origem da receita necessária para cobrir a despesa decorrente da remuneração. Entendemos, ainda, que a defesa de plano de saúde para os conselheiros tutelares feita na proposta de redação desse artigo prescinde da importância devida ao reconhecimento dos direitos trabalhistas básicos, a saber: cobertura previdenciária, férias remuneradas, pagamento do terço das férias; licença à gestante, licença-paternidade e décimo terceiro. Enquanto o reconhecimento desses direitos se faz urgente por falta mesmo de opção, a cobertura dos planos de saúde encontra alternativa nos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde, cuja melhoria todos nós, brasileiros, devemos pleitear. “

 

Críticas

A nova redação do art. 134 determina que “Lei municipal ou distrital disporá sobre o local, dia e horário de funcionamento do Conselho Tutelar, inclusive quanto à remuneração dos respectivos membros, aos quais é assegurado o direito a" cobertura previdenciária; gozo de férias anuais remuneradas, acrescidas de 1/3 (um terço) do valor da remuneração mensal; licença-maternidade; licença-paternidade; gratificação natalina. Ainda na análise do Senado, o voto em separado da autoria do então Senador Demóstenes Torres expõe possíveis pontos controversos da atualização legislativa:
Tenho como inconstitucionais, portanto, a supressão da competência legislativa municipal para dispor sobre o processo para a escolha dos membros do Conselho Tutelar e a fixação, seja da obrigatoriedade de o município remunerar os conselheiros tutelares, seja do valor da remuneração, seja dos direitos sociais e trabalhistas devidos aos conselheiros tutelares pelos municípios.
É bastante observar a redação atual dos arts. 134 e 139 do Estatuto da Criança e do Adolescente, para se observar que o legislador da década de 1990 legou, em consonância com a natureza concorrente da competência da União em matéria de proteção à infância e à juventude, aos municípios a suplementação da legislação que regularia a implementação e financiamento dos conselhos tutelares, nos termos do art. 30, inc. II, da Constituição Federal.
[…]
Ocorre que esse modo de agir não se consubstancia em uma opção do legislador federal, que pode, agora, ser revista, para se fixar, no bojo do ECA, disciplina específica a vincular forma de provimento e remuneração de cargos a serem criados no interior da estrutura administrativa municipal, como bem esclarece a emenda apresentada pelo Senador Gim Argello. O legislador federal legou ao municipal a forma de provimento dos cargos de conselheiro tutelar e a existência de sua remuneração por estar a isso constrangido por diversas normas constitucionais de competência.
Observem os Senhores Senadores que o inciso III do art. 30 da Constituição Federal dispõe que compete aos municípios “instituir e arrecadar tributos de sua competência, bem como aplicar suas rendas”. Parece óbvio que a fixação, por parte do Congresso Nacional, de remuneração e direitos sociais e trabalhistas a serem garantidos pelos municípios em favor dos conselheiros tutelares implica a vinculação de parte das rendas dos municípios, em ofensa direta ao disposto no referido inc. III do art. 30.
A garantia à autonomia das municipalidades, tal como instituída no art. 18 da Constituição Federal passa, necessariamente, pelo monopólio dos municípios sobre a disposição de sua receita, seja ela derivada da cobrança de impostos de sua competência ou de repasses constitucionais a cargo do Estado ou da União.
Daí advém a conclusão segundo a qual a fixação da obrigatoriedade ou valor da remuneração dos conselheiros tutelares municipais importaria interferência inconstitucional da União nos municípios.
A alteração no art. 134 do ECA obrigaria as pessoas políticas municipais a despenderem, mesmo contra sua vontade, recursos a que fazem jus, por efeito de receita tributária ou transferência federativa. Não pode o legislativo federal impor o emprego, nem determinar a destinação de recursos municipais.
Registro que, em hipótese análoga, em que uma constituição estadual impôs aos municípios gasto vinculado de parcela de sua receita, o Supremo Tribunal Federal deixou assentada a “transgressão à cláusula constitucional da não-afetação da receita oriunda de impostos (CF, art. 167, IV) e ao postulado da autonomia municipal (CF, art. 30, III)”. Lê-se no precedente: “Inviabilidade de o Estado-Membro impor, ao município, a destinação de recursos e rendas que a este pertencem por direito próprio” (ADI-MC 2.355, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 19-06-2002).
Não caberia, por outro ângulo, buscar o enquadramento das disposições presentes no PLS nº 278, de 2009, ou na versão apresentada pelo relator, como normas gerais. O estabelecimento de específicos direitos sociais e trabalhistas para os conselheiros tutelares, bem como a fixação de sua remuneração não podem, nem de longe, ser consideradas normas gerais.
Em obra doutrinária de autoria coletiva, o Ministro Gilmar Mendes assim define as normas gerais vinculadas ao art. 24 da Constituição:
A divisão de tarefas está contemplada nos parágrafos do art. 24, de onde se extrai que cabe à União editar normas gerais – i. é. normas não exaustivas, leis-quadro, princípios amplos, que traçam um plano, sem descer a pormenores” (Curso de direito constitucional, 6ª ed., p. 853).
No mesmo sentido, a definição elaborada pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento da ADI-MC 927, de relatoria do Min. Carlos Velloso. “As normas gerais – assentou o Tribunal – devem apresentar generalidade maior do que apresentam, de regra, as leis. Norma geral, tal como posta na Constituição, tem o sentido de diretriz, de princípio geral”.
Em síntese, no exercício da competência concorrente para legislar sobre “proteção à infância e à juventude”, estabelecida no inc. XV do art. 24 da Constituição, a União só pode editar normas gerais (§1º, art. 24, da Constituição Federal), categoria na qual não se enquadram as alterações apresentadas tanto pela Senadora Lúcia Vânia quanto pelo relator, Senador Gim Argello, a serem implementadas no texto do art. 134 do Estatuto da Criança e do adolescente.
[…]
Antes de concluir esse voto em separado Senhor Presidente, eu gostaria de convidar os Senhores Senadores a uma reflexão. São perfeitamente compreensíveis e louváveis as iniciativas parlamentares, partidas de ilustres senadores, no sentido de implementar, diante da espantosa morosidade dos municípios em faze-lo, os Conselhos Tutelares, órgãos intrinsecamente envolvidos na proteção da criança e do adolescente. Ainda assim, um cuidado maior com o nosso frágil pacto federativo convida à defesa das competências afetas aos estados e municípios, e foi por essa senda que segui no presente voto.
Talvez devêssemos levar a cabo audiências públicas, chamar as municipalidades à mesa, mapear as dificuldades que cercam a implantação dos conselhos tutelares, pensar em alternativas de financiamento federal para sua manutenção.
De outra sorte, a inércia legislativa e administrativa dos municípios pode e deve ser atacada mediante outros meios em direito admitidos. O avanço sobre a competência municipal deve ser, porém, refreado.”
Fonte: sites da Presidência da República e do Senado Federal

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sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Penal - Lei nº 12.683/12 – Lavagem de dinheiro

Atualize o seu vade mecum: a Lei nº 12.683/12 alterou a Lei nº 9.613/98, com o propósito de tornar mais eficiente a persecução penal dos crimes de lavagem de dinheiro.

As Alterações

- A lei passou a considerar crime a ocultação ou dissimulação da natureza, origem, localização, disposição, movimentação ou propriedade de bens, direitos ou valores provenientes, direta ou indiretamente, de qualquer infração penal, e não mais somente dos crimes listados nos rol que havia anteriormente. Disso resultou que a tipificação penal do crime de “lavagem” ou ocultação de bens, direitos e valores não mais se restringirá a um número fechado de ilícitos penais ( “numerus clausus” ), passando a um rol aberto de infrações penais antecedentes – crimes ou contravenções penais;
- No § 5º do art. 1º, a redução da pena privativa de liberdade passa a ser uma faculdade do juiz e esta poderá começar a ser cumprida em regime aberto ou semiaberto; o juiz ainda poderá deixar de aplicá-la ou substituí-la por pena restritiva de direitos, se houver colaboração espontânea do autor, coautor ou partícipe;
- No § 2º do art. 2º, mantém-se a previsão de não aplicação do art. 366 do Código de Processo Penal, e, a par disso, determinou-se que o acusado que não comparecer nem constituir advogado deverá ser citado por edital, prosseguindo o feito até o julgamento, com a nomeação de defensor dativo;
- Foi revogado o artigo que proibia a fiança e a liberdade provisória;
- No art. 4º, prevêem-se medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores do investigado ou acusado, ou existentes em nome de interpostas pessoas. Proceder-se-á à alienação antecipada para a preservação do valor dos bens quando sujeitos à depreciação ou deterioração, ou quando houver dificuldade para sua manutenção;
O art. 7º passa a prever, como efeito da condenação, a perda de bens não somente em favor da União, mas também dos Estados (quando a competência for da Justiça Estadual), acrescentando dois parágrafos para regulamentação da destinação desses bens, inclusive dos instrumentos do crime sem valor econômico;
- O Capítulo V passa a denominar-se “Das Pessoas Sujeitas ao Mecanismo de Controle”, incluindo, ao lado das pessoas jurídicas, as pessoas físicas. São acrescentados ao parágrafo único do art. 9º os seguintes incisos:
XIII – as juntas comerciais e os registros públicos;
XIV – as pessoas físicas ou jurídicas que prestem, mesmo que eventualmente, serviços de assessoria, consultoria, contadoria, auditoria, aconselhamento ou assistência, de qualquer natureza, em operações:
a) de compra e venda de imóveis, estabelecimentos comerciais ou industriais ou participações societárias de qualquer natureza;
b) de gestão de fundos, valores mobiliários ou outros ativos;
c) de abertura ou gestão de contas bancárias, de poupança, investimento ou de valores mobiliários;
d) de criação, exploração ou gestão de sociedades de qualquer natureza, fundações, fundos fiduciários ou estruturas análogas;
e) financeiras, societárias ou imobiliárias;
f) de alienação ou aquisição de direitos sobre contratos relacionados a atividades desportivas ou artísticas profissionais;
XV – pessoas físicas ou jurídicas que atuem na promoção, intermediação, comercialização, agenciamento ou negociação de direitos de transferência de atletas, artistas ou feiras, exposições ou eventos similares;
XVI – as empresas de transporte e guarda de valores;
XVII – as pessoas físicas ou jurídicas que comercializem, ou intermedeiem a comercialização, de bens de alto valor de origem rural;
XVIII – as dependências no exterior das entidades mencionadas neste artigo, por meio de sua matriz no Brasil, relativamente a residentes no País.”;
- No art. 10, prevê-se que as pessoas sujeitas aos mecanismos de controle deverão adotar políticas, procedimentos e controles internos, compatíveis com seu porte e volume de operações, que lhes permitam atender o disposto nos arts. 10 e 11, na forma das instruções expedidas pelas autoridades competentes; deverão cadastrar-se e manter seu cadastro atualizado junto à competente autoridade fiscalizadora ou reguladora, na forma e condições por ela estabelecidas; deverão atender, no prazo fixado, as requisições formuladas pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (COAF) na forma por ele determinada, sendo que as informações prestadas serão classificadas como confidenciais, nos termos do § 1º do art. 23 da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991;
- No art. 12, que trata da responsabilidade administrativa, o limite da multa pecuniária aplicável às pessoas que deixarem de cumprir as obrigações previstas na lei passa de duzentos mil reais para vinte milhões de reais;
- Nos termos do art. 4º-B, a ordem de prisão de pessoas ou as medidas assecuratórias de bens, direitos ou valores, poderão ser suspensas pelo juiz, ouvido o Ministério Público, quando a sua execução imediata puder comprometer as investigações;
-O art. 10-A Previu que o Banco Central manterá registro centralizado formando o cadastro geral de correntistas e clientes de instituições financeiras, bem como de seus procuradores;
- Foi incluído o Capítulo X, com disposições gerais, dentre as quais destacam-se a que prevê o acesso da autoridade policial e do Ministério Público aos dados cadastrais do investigado que informem qualificação pessoal, filiação e endereço, independentemente de autorização judicial, mantidos pela Justiça Eleitoral, pelas empresas telefônicas, pelas instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito;
- Por fim, foi inserida a previsão de afastamento do servidor público em caso de indiciamento, sem prejuízo de remuneração e demais direitos previstos em lei, até que o juiz competente autorize, em decisão fundamentada, o seu retorno.

A Lavagem de Dinheiro

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Nos pareceres exarados na Câmara dos Deputados, definiu-se o que seria a lavagem de dinheiro:
Em todo mundo, o crime de “lavagem de dinheiro” movimenta, segundo dados da Organização das Nações Unidas(ONU) a cifra de 500 bilhões a 1,5 trilhão de dólares. De caráter transnacional o crime é utilizado por todas as organizações criminosas mundiais que, necessitam tornar “legal” o dinheiro obtido de modo “ilegal” nas mais diversas modalidades de infrações penais .
A respeito do tema, vale ressaltar a lição da nobre Procuradora da Fazenda Nacional NEYDJA MARIA DIAS DE MORAIS:
Pela definição mais comum, a ‘lavagem de dinheiro’ constitui um conjunto de operações comerciais ou financeiras que buscam a incorporação na economia de cada país dos recursos, bens e serviços que se originam ou estão ligados a atos ilícitos. Em termos mais gerais, lavar recursos é fazer com que produtos de crime pareçam ter sido adquiridos legalmente].
O binômio "lavagem de dinheiro" é, portanto, a denominação utilizada para o conjunto de operações mediante as quais os bens ou dinheiro nascidos de atividades delitivas, o chamado "dinheiro sujo", sejam ocultados e integrados no sistema econômico ou financeiro, transformando-se em "dinheiro limpo ou legítimo".
Em razão de caracterizar a transformação do dinheiro sujo em dinheiro limpo, geralmente são utilizados termos que pressupõem limpeza: Portugal utiliza o termo branqueamento de capitais; a Espanha adota blanqueo de capitales; a França segue a expressão blanchiment d’argent; os Estados Unidos empregam money laundering; a Argentina assume a denominação lavado de dinero; a Colômbia denomina del lavado de ativos; a Alemanha refere-se a geldwache; a Suíça utiliza o termo blanchimente d´argent; a Itália segue a designação riciclaggio di denaro; o México, por sua vez, utiliza a expressão encubrimiento y operaciones con recursos de procedencia ilícita.
Na verdade, a origem da expressão "lavagem de dinheiro" remonta às organizações mafiosas norteamericanas, que, na década de 1920, aplicavam em lavanderias e lava-rápidos o capital obtido com atividades criminosas. Esses negócios movimentavam dinheiro rapidamente, o que facilitava a mistura do capital legalmente ganho com o advindo de atividades ilícitas, promovendo a desvinculação dos recursos provenientes das atividades criminosas.”
A edição da Lei nº 12.683/12 colocou o Brasil entre países que possuem a chamada “terceira geração” de leis no combate à lavagem de dinheiro, a qual consiste na eliminação do rol de crimes antecedentes (rol aberto), o que já ocorre em países como os Estados Unidos da América, México, Suíça, França, Itália, entre outros. Assim, bens, direitos e valores provenientes de qualquer infração penal (crime ou contravenção penal) poderão caracterizar lavagem de dinheiro.
O rol de crimes que constava anteriormente na Lei nº 9.613/98 era composto dos delitos de tráfico ilícito de substâncias entorpecentes ou drogas afins; de terrorismo e seu financiamento; de contrabando ou tráfico de armas, munições ou material destinado à sua produção; de extorsão mediante seqüestro; contra a Administração Pública, inclusive a exigência, para si ou para outrem, direta ou indiretamente, de qualquer vantagem, como condição ou preço para a prática ou omissão de atos administrativos; contra o sistema financeiro nacional; praticado por organização criminosa; e praticado por particular contra a administração pública estrangeira.
Legislações de “segunda geração” tem rol fechado de crimes antecedentes (como era o caso da redação anterior) e legislações de “primeira geração”, apenas o crime de tráfico de drogas é considerado antecedente.
Nos debates no Senado, se ponderou que
Uma das conseqüências imediatas dessa alteração (inexistência de rol de crimes antecedentes) será a multiplicação de ocorrências criminosas de lavagem de dinheiro no mercado. Vale lembrar que hoje quem tenta ocultar ou dissimular a origem de valores provenientes de sonegação fiscal não comete crime de lavagem de dinheiro, pois não se encontra no rol de crimes antecedentes. Ressaltem-se os efeitos econômicos positivos da inserção de crimes contra a ordem tributária na lista de crimes antecedentes. Tais crimes têm reflexos devastadores sobre a economia, por dois mecanismos principais: primeiro, pela redução da receita pública que provocam e, conseqüentemente, pela redução da capacidade fiscal do Estado em atender programas sociais e manter o equilíbrio fiscal; segundo, pela concorrência predatória que os crimes tributários instauram. Os competidores que cumprem suas obrigações tributárias passam a sofrer a ameaça da perda de mercado e até mesmo de verem inviabilizados seus negócios. Para reagir à ameaça da competição espúria dos sonegadores, sentem-se premidos a também sonegar. Fecha-se, dessa maneira, um ciclo vicioso que, se não combatido, pode trazer graves prejuízos à organização da economia em geral, e às finanças públicas, em particular.
Esse é apenas um exemplo de conduta ilícita não prevista atualmente na enumeração de antecedentes da lavagem de dinheiro. Podemos citar outras: as contravenções penais de jogo do bicho e de comércio clandestino de obras de arte, crimes contra a ordem econômica, etc. É inegável que as alterações propostas pelos projetos de lei – rol aberto de infrações penais antecedentes, aperfeiçoamento da persecução penal e elevação da multa aplicável às pessoas referidas no art. 9º da Lei nº 9.613, de 1998 – trazem efetiva contribuição na repressão da lavagem de dinheiro. Vale lembrar que o risco de fracasso econômico das atividades ilícitas – em virtude da perda dos valores obtidos ilicitamente ou a impossibilidade de sua transferência, de sua transformação em capital financeiro ou da sua utilização como meio de pagamento – faz atenuar a maior das motivações para a prática criminosa.
Para finalizar, lembramos que há, inclusive, linha de pesquisa econômica que estuda a relação entre os estímulos e desestímulos econômicos e os índices de criminalidade. O expoente desse campo da ciência econômica, Professor Gary Becker, conseguiu provar, em seus clássicos trabalhos, que um dos mais fortes fatores para a redução da criminalidade é a imposição de perdas econômicas ao criminoso. As proposições legislativas examinadas caminham exatamente na direção preceituada pela Economia.”

Os Novos Procedimentos

No art. 1º, que descreve os “Crimes de "Lavagem" ou Ocultação de Bens, Direitos e Valores”, foi inserido um segundo parágrafo que criminaliza a utilização, na atividade econômica ou financeira, bens, direitos ou valores provenientes de infração penal, e a participação em grupo, associação ou escritório tendo conhecimento de que sua atividade principal ou secundária é dirigida à prática de crimes previstos nesta Lei. Um terceiro parágrafo prevê punição nos casos de tentativa (art. 14 do Código Penal).
O procedimento é pensado de modo que o réu tome conhecimento da causa quando as medidas assecuratórias forem decretadas e compareça pessoalmente em juízo se quiser liberar seus bens (art. 4º, § 3º). Caso não compareça, passou-se a permitir o julgamento à revelia do réu por meio de defensor dativo.
A nova lei revogou o dispositivo que vedava a fiança e a liberdade provisória.
Foi estendido para os Estados e o Distrito Federal direito de receber os bens (instrumentos, produtos e proveitos do crime) objeto de perda em razão da condenação penal. O art. 91, II, do Código Penal só permite a perda em favor da União.
No art. 4º-A é descrito o procedimento que o juiz deverá observar para conservar os valores dos bens apreendidos.
Com o aumento do rol de instituições garantes do sistema de prevenção à lavagem de dinheiro (art. 9º), mais instituições são chamadas a adotar políticas rígidas de “conheça o seu cliente” e a efetuar comunicações de operações suspeitas às autoridades competentes, como as juntas comerciais, agenciadoras de atletas, empresas de transporte de valores, entre outras.
O valor da multa pecuniária a que as instituições-garantes estão sujeitas em caso de descumprimento de suas obrigações legais passa de R$ 200 mil para R$ 20 milhões.
A nova lei, visando facilitar a investigação do crime de lavagem de dinheiro e contribuir para um resultado mais eficiente, estabelece a forma como as informações sigilosas regularmente requeridas deverão ser apresentadas pelas entidades responsáveis e especifica a que tipos de informações cadastrais a autoridade policial e o Ministério Público poderão ter acesso sem a necessidade de autorização judicial, reforçando o que a Lei Complementar nº 105, de 2001, prescreve.
Seguindo recomendação do GAFI (Grupo de Ação Financeira sobre Lavagem de Dinheiro), organismo internacional de combate à lavagem de dinheiro, as informações prestadas aos órgãos de controle não devem ser comunicadas aos clientes das instituições garantes (art. 11, II).

Poderes investigatórios

O art. 17-B conferiu à autoridade policial e ao Ministério Público o acesso, independentemente de autorização judicial, aos dados cadastrais da Justiça Eleitoral, das empresas telefônicas, instituições financeiras, provedores de internet e administradoras de cartão de crédito do investigado para obter informações, exclusivamente, de sua qualificação pessoal, filiação e endereço.
Na Câmara, pontuou-se que esta autorização não ofenderia “à Lei Maior, porque além de
constituírem-se tais informações em ferramentas necessárias ao sucesso da investigação criminal, são elas de caráter meramente identificatório, e não de conteúdo. O que a Lei Maior garante no inciso XII, do seu art. 5º, é a inviolabilidade do conteúdo da correspondência, das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados”.

O Dr. Vladimir Aras traça interessantes considerações sobre este dispositivo, onde, entre outros argumentos, coloca que:

Como se trata de regra de índole procedimental (não incriminadora), o artigo 17-B da Lei 9.613/98 aplica-se de imediato às ações penais, aos inquéritos e demais investigações criminais em curso, não importando se o delito sob apuração ocorreu antes de 10 de julho de 2012, data da entrada em vigor da nova lei. É a regra tempus regit actum.
[…]
Diga-se ainda que, embora situado na Lei de Lavagem de Dinheiro, este dispositivo pode ser invocado para a apuração de qualquer delito. O legislador não limitou seu escopo à lavagem de ativos – não usou a expressão “para os fins desta lei” ou frase equivalente – e nem teria razão para fazê-lo, uma vez que agora toda e qualquer infração penal produtora de ativos ilícitos pode ser delito antecedente de lavagem de dinheiro.
[…]
O balanço acerca desta nova disposição legal é positivo. Finalmente um óbolo de sanidade no caótico modelo persecutório brasileiro. Desde o dono da quitanda ou da vendinha – com sua linha direta com o SPC e a SERASA – até o estelionatário mais mequetrefe, todos tinham pleno acesso direto a dados cadastrais de consumidores e de suas vítimas, para fins lícitos e ilícitos, respectivamente. Só a Polícia e o Ministério Público não.”

Críticas

Na Câmara dos Deputados, o Deputado Geraldo Pudim teceu críticas ao então projeto de lei:
"No artigo 2º, § 1º, onde determina que: “ A denúncia será instruída com indícios suficientes da existência da infração penal antecedente, sendo puníveis os fatos previstos nesta Lei, ainda que desconhecido, isento de pena o autor ou extinta a punibilidade da infração penal antecedente”. (Grifo Nosso).
Interessante notar que pela primeira vez, dentro da doutrina penal Brasileira, o réu é processado por fatos desconhecidos, e ainda quando isento de pena o autor ou pior ainda, quando extinta a punibilidade da infração penal antecedente o mesmo poderá ser abrangido pela regra desta Lei inconstitucional, pois no caso concreto, feriu-se o disposto no inciso XL, artigo 5º de nossa Carta Magna, que bem determina: “ XL – a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;”.
Também, temos uma questão interessante que se coloca, é a de saber como iniciar uma investigação sobre o crime de lavagem de dinheiro, se ele depende, ao menos, da existência de indícios de crime anterior. De qual crime? De que forma criminosa teria advindo o dinheiro, por exemplo, para que se possa identificar a possibilidade de, ligando-o ao, ou a um, e qual, crime antecedente?
Esta análise levou à conclusão de Katharina Oswald, grande penalista e criminalista alemã, a dizer que uma investigação a respeito da prática de crime de lavagem de dinheiro só deve ser iniciada (e refere, pelo Ministério Público, demonstrando ser o órgão com as atribuições), a partir da conclusão sobre existência de evidências de situação concreta de determinado crime antecedente.
A par das várias inconstitucionalidades apontadas, seguindo a boa doutrina jurídica pátria, respeitando e aplicando a economia processual, evitando perdas de tempo, e, no mais importante, por analogia ao mundo jurídico que aceita e acata a análise de constitucionalidade difusa, não poderia, em respeito a minhas convicções do ser justo, deixar de levantar e denunciar todos os pontos acima descritos.“
Noutra seara, agora também em relação ao art. 17-D, o Dr. Eugenio Pacelli assim se manifestou:
"Quartas com Lei e com Direito – 11 de julho de 2012 – Primeiras linhas sobre a Lavagem de dinheiro [...] Duas questões parecem emergir imediatamente da Lei 12.683/12, a saber, a) a radicalização no trato da destinação dos produtos de delitos, e, b) o autoritarismo renovado da antecipação de juízos provisórios. Exemplo eloquente da primeira questão reside no novo art. 1º da Lei 9.613/08, a tornar quaisquer espécies penais (crime ou contravenção) em fundamento de legitimação para a apuração do crime de lavagem de dinheiro. De A a Z, persegue-se agora, em forma de crime, a ocultação do proveito de toda infração penal. E exemplo da segunda se encontra na alarmante e absurda previsão do art. 17-D da Lei 9.613, com a nova redação: em caso de indiciamento do servidor público ele será afastado, sem prejuízo de seus direitos (remuneração etc.). Fiquemos por aqui e muito rapidamente. A nova regra é um despautério só: indiciamento policial é apenas a tradução do juízo de convencimento da autoridade policial acerca da suficiência dos "indícios" coletados na investigação: daí a expressão "indiciamento"! Ele sequer necessita ser fundamentado, a tanto bastando a sua justificação no encerramento do inquérito, como conclusão final. Que se critique a existência do indiciamento e suas eventuais consequências, mas não a ausência de sua fundamentação! Não vamos gastar tinta e nem a paciência alheia: ninguém pode ser afastado de suas funções públicas no curso de mero procedimento inquisitivo. Violação manifesta do devido processo legal para a privação de bens e de direitos. Se o que se quer preservar é a higidez do serviço público que se recorra às cautelares pessoais do art. 319, CPP. A diferença, significativamente relevante, é que estas dependerão de ordem judicial fundamentada (esta sim!). Em tempos de tantos apelos midiáticos, para o bem e para o mal, para o não e para o sim, convém não esquecer que o fim pode se perder nos meios.

Leia também: Comentários à Lei nº 12.683/2012, que alterou a Lei deLavagem de Dinheiro 
 
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